Correspondente da Agência Reuters no Brasil, o inglês Anthony Boadle escreve sobre a atuação dos médicos cubanos no país. Leia abaixo.

Médicos cubanos atendem aos pobres do Brasil e dão impulso a Dilma (artigo original aqui)

JIQUITAIA, Bahia, 2 Dez (Reuters) – Eles foram vaiados e chamados de escravos de um Estado comunista assim que desembarcaram no Brasil, mas nos cantos mais pobres do país a chegada de 5.400 médicos cubanos está sendo saudada como uma benção.

O programa para preencher lacunas no sistema nacional de saúde com médicos estrangeiros, principalmente de Cuba, pode se tornar um grande catalisador de votos para a presidente Dilma Rousseff agora que ela se prepara para disputar um segundo mandato na eleição do ano que vem, apesar da feroz oposição da classe médica nacional.

A decisão de usar o programa cubano de exportação de médicos, iniciado pelo ex-líder Fidel Castro, se tornou uma prioridade depois que protestos de massa contra a corrupção e a má qualidade dos serviços públicos de transporte, educação e saúde tomaram as ruas de várias cidades do país em junho.

Poucas semanas depois, Dilma lançou o “Mais Médicos”, programa de contratação de médicos brasileiros e estrangeiros para regiões remotas do país e periferias de áreas metropolitanas.

O governo federal assinou um contrato de três anos para trazer milhares de médicos cubanos para trabalhar nessas áreas onde os profissionais brasileiros preferem não atuar.

Com base em um acordo que renderá cerca de 225 milhões de dólares por ano a Cuba, onde o governo precisa de dinheiro, médicos cubanos estão sendo enviados a postos de saúde em comunidades de várias cidades brasileiras e em vilarejos do Nordeste castigados pelas secas, áreas que carecem de médicos residentes.

O Estado da Bahia está reabrindo centros de saúde em áreas rurais, fechados por falta de funcionários.

Moradores de Jiquitaia, um povoado do interior cercado por cactos, bodes e gado esfomeado, não precisam mais viajar 46 quilômetros em estrada de chão para consultar um médico.

“Foi uma benção de Deus”, disse o agricultor Deusdete Bispo Pereira, depois de ser examinado por dores no peito pela médica Dania Alvero, de Santa Clara, Cuba. “Mudou 100 por cento. Todo mundo está gostando. A gente tem medo que vão embora”, disse ele.

Idosos e mulheres grávidas lotavam o centro de saúde da família esperando ser examinados por Dania, que é especializada em medicina preventiva, como a maioria dos médicos cubanos.

“Há doenças aqui das quais eu só lia em livros, como a lepra (hanseníase), que já não existe mais em Cuba”, disse ela, mesclando palavras em espanhol e português.

MÉDICOS DE ALUGUEL
Há décadas, Cuba começou a enviar médicos ao exterior para ajudar países em desenvolvimento por motivos ideológicos, como disciplinados soldados revolucionários mandados por Fidel ao tabuleiro de xadrez da Guerra Fria, da Argélia e Etiópia a Angola e Nicarágua.

Com o país mergulhado em uma crise econômica depois do colapso da União Soviética, Fidel concebeu um esquema de médicos-por-petróleo com o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez, em 2000.

Mesmo com a maior parte da renda indo para o governo de Cuba, os médicos cubanos adoram ir para fora porque podem ganhar muito mais do que recebem em casa, onde o salário máximo de um médico equivale a 50 dólares por mês.

“Nós não ganhamos muito, mas não estamos aqui pelo dinheiro. Estamos aqui para ajudar nosso país, que é pobre”, disse Lisset Brown, que trabalha em um posto de saúde da localidade de Ceilândia, o maior bairro na periferia de Brasília.

A chegada de 12 médicos cubanos aliviou o trabalho do sobrecarregado hospital de Ceilândia e melhorou a credibilidade do sistema público de saúde, disse a enfermeira brasileira Tânia Ribeiro Mendonça. “A população vê com bons olhos que o governo está tentando uma melhoria na atenção médica.”

INSATISFAÇÃO DOS MÉDICOS
Inicialmente, os médicos brasileiros tentaram impedir a chegada dos colegas estrangeiros, vistos como uma tentativa de minar seus interesses profissionais e padrões médicos.

Quando um primeiro contingente de cubanos desembarcou no aeroporto de Fortaleza, em agosto, médicos brasileiros revoltados gritaram “Escravos!” para eles.

Mas eles tiveram de abaixar o tom de suas críticas porque as pesquisas de opinião mostram que a vasta maioria dos brasileiros é a favor da contratação de estrangeiros quando não houver médicos locais disponíveis, mesmo que permaneçam dúvidas sobre as qualificações dos cubanos.

“Nós não somos contra a vinda de médicos de fora para trabalhar aqui. Podem vir da Rússia, Inglaterra, Cuba ou Bolívia. O que nós defendemos é que médicos formados fora devem ser avaliados para trabalhar no Brasil. O governo não está fazendo isso”, disse o presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino Cardoso.

Cirurgião oncológico, Cardoso se queixa de que Dilma “procurou demonizar” os médicos brasileiros ao associá-los com as muitas deficiências do sistema nacional de saúde. Levar mais médicos para áreas periféricas, disse ele, não vai acabar com as filas nos serviços médicos deficitários nas cidades.

ELEIÇÕES DE 2014
Com pouco mais de quatro meses de lançamento, o Mais Médicos está ganhando oportunos elogios políticos para Dilma, que pode apontar o programa como um exemplo de sua rápida resposta aos protestos populares de junho.

Mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas na época expressar sua ira contra serviços públicos inadequados que consomem dinheiro dos contribuintes e são criticados pelas longas filas e demorada espera por atendimento nas unidades de saúde no país.

“Este é um grande plus para a reeleição dela. As pesquisas mostram que há uma elevada taxa de aprovação ao programa”, disse o professor de Política David Fleischer, da Universidade de Brasília.

No Nordeste, médicos cubanos estão de fato ganhando os corações e votos para Dilma.

“Eles têm carisma e humildade e olham nos olhos da gente na consulta, o médico brasileiro não”, disse Angelo Ricardo, que levava o pai idoso a um centro de saúde na cidade baiana de Remanso. “A população carente no Brasil está precisando disto, preocupação na vida do paciente. Eu voto nela, sem dúvida.”

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