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O círculo no chão de Ian Wilson é de 1968, mas esse aí é de 2014 mesmo

Uma piada das mais mal contadas está lá dentro no fundo do sertão. É uma exposição da terceira Bienal da Bahia, denominada – não sei o porquê – “No litoral é assim”, que foi parar na Casa dos Carneiros – porque lá? Também não faço a mínima ideia!

São quinze obras que ocupam a sala dos sete candeeiros, que não dialogam entre si e que, muito menos, expressam alguma coisa do litoral. Por integrar a Bienal da Bahia (e com esse título), era de se imaginar uma exposição bastante representativa da nossa cultura, ou ao menos da cultura litorânea – por mais clichê que isso possa parecer na Bahia -, com obras expressivas de artistas baianos, conhecidos ou não, e que nos levassem para uma viagem ao litoral brasileiro, mesmo estando lá no meio da caatinga, universo do menestrel Elomar Figueira Mello. Poderia até ser menos óbvio que isso, mas, não: em resumo, as peças reunidas decepcionam os visitantes.

Mesmo estando na zona rural de Vitória da Conquista, a cerca de 40 minutos do centro da cidade e alguns quilômetros de sinuosa estrada de chão com muitas ladeiras, tem muita gente indo visitar a exposição. Talvez por estar escondida na fazendo do velho bode, talvez por ter sido bem divulgada, talvez pela novidade de passar por aqui uma exposição com obras de artistas de renome internacional ou talvez por compor uma Bienal, o fato é que a exposição atiçou a curiosidade de centenas de pessoas – no pouco tempo que estive por lá, na tarde de uma segunda-feira, dois ônibus traziam jovens estudantes para vê-la. Mas, eles simplesmente não encontram nada demais.

A exposição não nos oferece sequer um impresso com informações sobre as peças expostas e os artistas. Os nomes das obras estão escritos com giz no chão da sala. Nenhuma peça é realmente significante para fazer alguém se deslocar até a Gameleira, povoado onde fica a fazenda, para vê-la. Em menos de dez minutos, é possível apreciar todas as peças, por mais de uma vez até.

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A cabrita de Dicinho, baiano de Jequié, é algo que nos traz de volta ao sertão de Elomar. Mas, o que nos leva ao litoral?

A obra de Yoko Ono, viúva de John Lennon, é um pensamento (uma frase, melhor dizendo) que foi escrita (transcrita) na madeira do forro da grande sala – com o mesmo giz branco que escreveu o nome de cada obra no chão. Para não dizer que não tem nada que nos remeta a Elomar (apesar dessa não ser uma necessidade só por estar na sua fazenda), estão expostas duas cabras (animais criados pelo músico lá mesmo naquela fazenda), uma feita de metal retorcido e outra em formas geométricas perfeitas, de “copaget”. Mas, as do chiqueiro chamam mais atenção dos adolescentes que estão passando por lá (porque as escolas estão levando, vale ressaltar). Talvez outra obra nos lembre canções de Elomar, o vídeo “Terra”, de Juraci Dórea, mas que nem eu nem os demais visitante do dia viram por uma questão técnica – o projetor, apesar de permanecer no chão da sala, deu defeito.

Sabe o giz? O giz é ainda o “responsável” por mais uma das obras: um círculo perfeito desenhado sobre o tablado (um pequeno palco do dono da casa) – isso mesmo, a obra de arte, que por sinal é a maior da exposição em ocupação de espaço (apesar da original ter dois metros de diâmetro), é uma linha de giz riscada no chão com a ajuda de um compasso (ou de um cordão com prego). O nome dessa obra é “Circle on the floor” (círculo no chão), de Ian Wilson, feita em 1968 – mas, o círculo que está lá na Casa dos Carneiros foi feito ali mesmo e poderia ter sido feito por qualquer um daqueles meninos que visitavam a exposição naquela tarde, bastaria emprestar o maldito giz.

Me perdoem os entendidos dessa arte (se é que eles existem), mas não foi dessa vez que eu a encontrei ao visitar a Casa dos Carneiros, palco de muitas apresentações e encontros de cantadores e menestréis. Preferia encontrar ali as coisas do sertão das quais Elomar fala em suas canções. Bastava expor sete violas, três metro de chita, um par de botas, um chapéu e até umas brividades que já seria uma rasteira nessas peças do tal litoral. Aliás, se no litoral é assim, me desculpem, mas no meu sertão estamos melhor servidos com ternos de reis, cordéis, bonecos de mamulengo, peças de couro e de barro, aboio de vaqueiros, ladainhas, desafios e violadas. Porque no sertão é assim: a arte consegue dialogar com todas as pessoas, das mais simples às mais “estudadas”.

Nada contra, mas que não se realize por aqui a profecia do sertão virar mar.

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A visita vale para quem não conhece o universo elomariano

Ps.: Ainda bem que a entrada era gratuita – e assim permanece até dia 10, se quiser ir lá conferir, as porteiras estão abertas.

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