POR AILTON FERNANDES

Um diário, roteiro de filmes, a planta de uma casa, desenhos e cartas de Elomar Figueira Mello serão disponibilizados juntamente com canções, partituras, vídeos, fotografias, discos e recortes de jornais e revistas em um espaço dedicado à memória do menestrel, que será construído na fazenda Casa dos Carneiros – o melhor lugar para ter contato com a obra do cantador e compositor conquistense.

O Arquivo Elomar Figueira Mello vai organizar o acervo do compositor, escritor e arquiteto para a sua disponibilização a pesquisadores e ao público em geral. Muita coisa encontra-se intacta, mesmo que sem organização ou armazenamento adequado para preservação, em caixas de papelão, em sacos plásticos e espelhadas por armários e gavetas da casa do compositor em Conquista, no escritório de sua produtora e nas fazendas Duas Passagens, em Anagé, e Lagoa dos Patos, em Rio de Contas, além da própria Casa dos Carneiros.

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Sede administrativa da Fazenda Casa dos Carneiros (Foto: Secult-BA)

Com o Arquivo, tudo será reunido em um lugar. “Este projeto prevê a criação de uma infraestrutura básica para o trabalho de recuperação, classificação, catalogação, higienização, digitalização e divulgação do acervo bibliográfico, documental, musical e arquitetônico de Elomar”, explica a coordenadora geral do projeto, Rossane Nascimento. Todo o acervo será exposto permanentemente numa sede construída, na área da fazenda, especificamente para o projeto.

“A construção da sede tem como responsável técnico o próprio Elomar, que assina o projeto arquitetônico e fará toda a consultoria e acompanhamento da obra. Elomar desenhou o projeto tomando como base a própria ‘casa dos carneiros’, o curral de carneiros, que tem forma de círculo. A sede permite que o visitante tenha vistas para a serra da Tromba e todo o cenário da caatinga, com sua vegetação, umbuzeiros e mandacarus, as práticas da fazenda, os vaqueiros nas suas rotinas e o desfilar de bodes e carneiros. Não haverá paredes de alvenaria, toda a sede será circundada por placas de vidro assinando uma arquitetura integrada”, detalha Rossane.

Projeto da sede do Arquivo é assinado pelo próprio Elomar
Projeto da sede do Arquivo é assinado pelo próprio Elomar

O material disponibilizado será o mais diverso possível, reunindo diferentes criações de Elomar, hoje com 76 anos, sendo mais de cinquenta dedicados à produção artística. Os visitantes irão ter acesso à obra digitalizada e um espaço do Arquivo será destinado à audição de gravações e também à exibição de vídeos. “Quem quiser poderá assistir toda a entrevista de Elomar no programa Vox Populi, em 1980, ou mesmo analisar o processo de criação da canção ‘Arrumação’, ouvindo o próprio Elomar, em áudio retirado de fitas k7, que registram o embrião da obra e todo o processo de criação do compositor”, revela a coordenadora.

Para começar a funcionar, há muito trabalho até lá. É preciso reunir todo o arquivo, limpar, organizar, catalogar, digitalizar e, então, disponibilizar. Além, da construção da sede e da elaboração de uma estratégia de visitação. A previsão é de que o espaço seja aberto em 2015.

Partitura do Auto da Catingueira e fotos da pré-estreia do Festival da Ópera Brasileira, realizada na fazenda Casa dos Carneiros, integram o acervo (Fotos: Divulgação/Rossane Comunicação)
Partitura do Auto da Catingueira e fotos da pré-estreia do Festival da Ópera Brasileira, realizada na fazenda Casa dos Carneiros em 2010, integram o acervo (Fotos: Divulgação/Rossane Comunicação)

“É um trabalho denso e muito criterioso, onde serão, por exemplo, revisadas partituras, escaneados textos manuscritos e croquis, depois arquivá-los em mídias, prevendo-se a organização da totalidade do acervo de partituras. O nosso maior desejo é disponibilizar e facilitar o acesso às informações desejadas pelo pesquisador que frequentará o Arquivo, divulgando a obra de Elomar e o arquivo não apenas na região do semiárido baiano, especialmente, na região agrária de Vitória da Conquista, mas em todo o Brasil”, conta Rossane. Sobre a disponibilização do acervo na internet, o assunto ainda será discutido por Elomar e pela Fundação Casa dos Carneiros.

O projeto conta com o patrocínio do Itaú Cultural e do Ministério da Cultura. Professores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) integram a equipe, além de especialistas nas áreas de Museu e Arquivo, Música, Letras e História, selecionados pelo patrocinador.

Elomar e Rossane em Brasília durante reunião com o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, em 2010. (Foto: Rodrigo Coimbra/MinC)
Elomar e Rossane em Brasília durante reunião com o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, em 2010. (Foto: Rodrigo Coimbra/MinC)

INÉDITOS E PERDIDOS – Muita gente não sabe que quando começou a gravar discos, Elomar também atuava como arquiteto. O novo templo da Segunda Igreja Batista de Vitória da Conquista e a primeira casa do condomínio Caminho do Parque, assim como o parque de exposições de Guanambi, são assinados por ele. Esse tipo de material é desconhecido por parte do público de Elomar e fará parte do acervo.

Assim como um diário da época em que serviu ao Tiro de Guerra, cartas de sua mãe recebidas quando morava em Salvador, os cadernos da escola de Arquitetura e presentes curiosos, como a espada de Lampião, presente de José Ramalho, também poderão ser vistos por lá. Além, de muitas criações inéditas que só serão disponibilizadas após publicação ou autorização de Elomar.

“Peças que ainda estão em fase de conclusão, que fazem parte de óperas, trechos de sinfonias e de antífonas, trechos de árias de óperas, poemas, romances, roteiros para cinema e para teatro, dentre outros”, lista Rossane, que também está buscando por materiais perdidos ao longo do tempo. Existem entrevistas não catalogadas ou arquivadas, além de registros em poder de produtores, cineastas, amigos e familiares.

Segundo Rossane, além do trabalho de busca por materiais como fotografias, vídeos e áudios de concertos, dentre outros, o Arquivo espera receber doações de pessoas que possuam materiais relacionados à obra elomariana. “Estas pessoas estarão para sempre com seus nomes registrados nos anais da história pela sua contribuição à memória musical de nosso país”, ressalta. Entre os materiais “perdidos” constam uma entrevista a Jô Soares e a participação de Elomar no programa Roda Viva, na década de 1980.

CONTRIBUIÇÃO – Além da preservação do imaginário sertanejo, da memória e da obra de Elomar, o projeto alcança vertentes da cultura, da educação e da história, reconhecendo, sobretudo, a importância e a riqueza histórica, poética e musical do acervo elomariano.

“Com o funcionamento pleno do Arquivo Elomar Figueira Mello acreditamos estar contribuindo para a preservação da memória documental da região do sertão baiano, para futuras pesquisas e para a manutenção do seu patrimônio cultural. Vamos disponibilizar o acervo para a comunidade e para a academia e, no futuro, pretendemos formar pesquisadores locais para o tratamento e preservação de acervos, bem como motivá-los à reflexão sobre questões relacionadas à cultura e história sertaneja, a partir do estudo e articulação de textos teóricos e críticos com a obra poética e musical de Elomar”, destaca a coordenadora do projeto.

Foto em destaque: curral de carneiros da fazenda e a serra da Tromba ao fundo / Crédito: Secult-BA.

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