É a primeira vez que a igreja católica elege um Papa da América Latina: o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos. Apesar de ter escolhido o nome Francisco, o cardeal argentino não é um franciscano, mas sim um jesuíta – membro da Sociedade de Jesus, o que também é um fato inédito. O novo Papa substitui Bento XVI, que anunciou renúncia ao cargo em 11 de fevereiro.
A decisão surpreendeu, pois o argentino, citado inicialmente, não aparecia nas últimas listas de favoritos, que incluíam o brasileiro Dom Odilo Scherer e o italiano Angelo Scola.
A fumaça branca anunciou que o conclave chegara ao fim por volta das 15 horas e 8 minutos, horário de Brasília. Católicos esperavam com ansiedade o fim da votação, iniciada ontem, 12, no Vaticano. Ele obteve ao menos 77 votos dos 155 cardeais votantes, representantes de todo o mundo, que participaram da escolha. Ao todo, foram cinco rodadas de votação, até conseguir o número de votos suficiente para ser declarado eleito.
Em seu primeiro pronunciamento, Francisco I disse que os cardeais o encontraram no fim do mundo. “Vocês devem saber que o dever do conclave era dar um bispo para Roma. E parece que os cardeais foram encontrá-lo no fim do mundo. Obrigado pelas boas-vindas”. Depois, já em tom mais sério, ele pediu aos cerca de 1,2 bilhão de católicos do mundo para “empreender um caminho de fraternidade, de amor” e de “evangelização”.
O novo papa pediu que fizessem uma oração pelo agora papa emérito Bento XVI. Depois, disse que ia fazer a bênção, mas antes pediu que os fiéis orassem por bênçãos a ele. A sua missa de inauguração do pontificado vai ocorrer na próxima terça-feira, 19 de março.
Segundo relatos de cardeais que participaram do conclave de 2005, obtidos em “off” pelos principais vaticanistas (jornalistas especializados na Santa Sé), Jorge Bergoglio foi o único cardeal a, em 2005, ameaçar seriamente a hegemonia de Joseph Ratzinger, chegando a obter cerca de 40 votos e ficando em segundo lugar.
De acordo Reinaldo José Lopes, em artigo para a Folha de São Paulo, Bergoglio enfatiza a humildade em sua vida pessoal, cozinhando sua própria comida, indo de ônibus para o trabalho em Buenos Aires. E uma de suas atitudes mais famosas espelha uma ação lendária de são Francisco de Assis: “assim como o santo italiano da Idade Média cuidava dos leprosos e não tinha medo de beijá-los, Bergoglio ficou conhecido, em 2001, por lavar e beijar os pés de 12 pacientes com Aids que visitou no hospital”.
Por outro lado, a reputação do prelado chegou a ser chamuscada pela acusação, feita por um ativista de direitos humanos, de que ela teria sido cúmplice do sequestro de dois jesuítas argentinos, membros de movimentos de esquerda, durante o regime militar em seu país, em 1976. Apesar disso, ele costuma ser elogiado por sua postura em favor da justiça social.
CONSERVADOR – Na Argentina, Bergoglio é conhecido pelo conservadorismo e pela batalha contra o kirchnerismo. Ele também é reconhecido por ser um intenso defensor da ajuda aos pobres. O argentino costuma apoiar programas sociais e desafiar publicamente políticas de livre mercado.
Embora se mostre preocupado com a população de baixa renda, o papa não é adepto da Teologia da Libertação, corrente prestigiada na Igreja brasileira que, com base em ideias marxistas, defende que o clero atue prioritariamente servindo os mais pobres.
O conservadorismo do novo papa é conhecido por declarações contra o aborto e a eutanásia. Além disso, embora ressalte que homossexuais merecem respeito, Bergoglio é contra o casamento gay.
PERFIL – O jesuíta nasceu na capital argentina e, depois de cursar o seminário no bairro Villa Devoto, entrou para a Sociedade de Jesus, aos 19 anos, em 1958. Foi ordenado padre pelos jesuítas um ano depois, quando estudava teologia e filosofia na Faculdade de San Miguel.
De 1973 a 1979, Bergoglio foi provinciano pela Argentina e a partir de 1980, reitor da faculdade de San Miguel, cargo que ocupou por seis anos. O papa obteve o título de doutor na Alemanha.
Em 1992, foi nomeado bispo e elevado a arcebispo em 1997, passando a chefiar a arquidiocese de Buenos Aires desde então. O argentino ingressou no Colégio de Cardeais em 2001.
Na Santa Sé, participava de diversos dicastérios: era membro da Congregação para o Culto Divino e para a Disciplina dos Sacramentos, da Congregação para o Clero e da Congregação para os Institutos da Vida Consagrada e das Sociedades da Vida Apostólica, além do Conselho Pontifício para a Família e da Comissão Pontifícia para a a América Latina.
CNBB – Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a escolha de um papa latino-americano “revigora a Igreja”. Em nota divulgada logo após o anúncio do novo Papa, a CNBB acredita que Francisco I, por ser argentino, leva a experiência da Igreja latino-americana e caribenha.
“A escolha de um latino-americano vem mostrar que a Igreja se abre, ela está voltada para toda a Igreja, não é mais uma Igreja só voltada para a Europa”, acrescentou o secretário-geral da entidade, dom Leonardo Ulrich Steiner.
Jorge Mario Bergoglio esteve no Brasil em 2007, quando foi revisor do Documento de Aparecida, que fez um diagnóstico da Igreja Católica na América Latina e Caribe. E deve voltar em julho deste ano, agora como Papa, para a Jornada Mundial da Juventude. “Apesar de nós disputarmos no futebol, temos certeza que ele virá”, brincou Steiner.