Querida Dindi,

Recebi tua carta e confesso que fiquei chorosa durante toda a tarde ensolarada de outono. A li por mais de quinze vezes, cheguei a decorar os primeiros versos e, totalmente extasiada, percebi a minha impossibilidade de escrever algo tão bonito quanto tuas palavras.

Não sei explicar como aconteceu, mas as Terras Longínquas do Planeta Caaju, que eram férteis e coloridas, se tornaram deserto dia e noite. As tulipas guardiãs não aguentaram o calor extremo e adoeceram todas de uma só vez, as árvores pararam de dar frutos, o nosso principal poeta da corte bateu com a cabeça na parede, teve amnésia e esqueceu todas as bonitas palavras do seu vocabulário. E eu, ah! Disso, nem sei mais o que dizer…

Os oceanos profundos que em mim habitavam se evaporaram por completo, deixando só seca e sal em meu corpo, que começou a rachar na sola dos pés e na palma das mãos. Me enveredei pelos tormentosos caminhos da dor e, inebriada de dúvidas, adentrei a misteriosa Trilha das Ninfas, lá mesmo, na Floresta Negra.

Oh Dindi! Chegando lá eu fui recebida diretamente por Baco que, vendo o meu olhar perdido, me ofereceu vinho por dias e dias. Rituais de acasalamento, fogueiras, músicas que nunca cessavam. As ninfas, que mais parecem fadas encantadas e obscuras me rodeavam todo o tempo. Os centauros me beijavam a boca, me mordiam os lábios.

Me entreguei por completo durante dias e dias. Não sabia mais quem eu era, ou o que, de fato, procurava. Acredito que se tivesse demorado mais um pouco, eu própria me tornaria uma ninfa igual a todas que na floresta habitam. Quanto mais tempo eu permanecia, mais oca eu ficava por dentro. Baco me tomou o fígado e as “fadas do escuro”, uma por uma, foram tirando meu pâncreas, rins, apêndice, intestino. Por sorte, lá pelo vigésimo quinto dia, a Abelha Rainha, que ficara sabendo dos meus sinuosos passos, foi pessoalmente até a floresta e me acordou.

Meu estômago, onde guardo minha fé, e meu coração ainda funcionavam, não muito bem, mas funcionavam. Com um pouco de mel real eu comecei a me revigorar tendo forças para fazer o caminho de volta. No entanto, o Boto Rosa me baniu por tempo indeterminado das Terras Longínquas. Nesse exato momento, me encontro em direção ao Caminho das Matriarcas, na esperança vã de que haja alguma poção de acalanto para minh’alma. A tristeza, assim como o medo, me consomem. Sinto muita falta da Abelha Rainha, bem como a tua. Fico aqui a recordar as nossas infindas viagens pelas Terras do Sem Fim, onde fazíamos churrasquinhos de tubarão, conversávamos com as sereias e assistíamos, da prancha do navio, os mais bonitos pôr de sol.

Mas, justamente quando penso em todo o profundo amor que embasa a minha relação com a Abelha Rainha e com você, é que percebo o quão abençoada eu sou por ser iluminada pelo brilho de ambas. Quem diria que um dia, uma princesa iria se apaixonar por uma abelha, ou que iria aquecer o gelado coração de uma pirata e ser convidada para as mais loucas aventuras. É, Dindi, é quando me pego pensando nessas coisas, que eu relembro quem eu sou e o que estou procurando.

Então fica aqui a minha surpresa pela sua carta, bem como pela luneta mágica que você me presenteou. Não sei ao certo se foi o vento fofoqueiro, as estrelas que parecem umas matracas ou o seu próprio coração que pressentiu o meu chamado. Na verdade acho que não importa a forma com que você soube, e sim a sua sensibilidade em me mandar pela sua coruja preferida todos esses presentes. Meu coração sorri, porque te sentir mais perto é como me sentir em casa.

Estou usando a luneta todo o tempo e já vejo, bem ao longe, o seu navio atracado nas Terras Longínquas. Ainda necessito me recolher com as Matriarcas a fim de curar as rachaduras e me preparar para o regresso, mas deixo, desde já, o meu apelo por abraços, sorrisos e, acima de tudo, pela procura de novos mapas que revelam grandes tesouros escondidos.

Sua, infinitamente sua,

Maria, primeira princesa das Terras Longínquas do Planeja Caaju.

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Por Mariana Kaoos

(Esse conto é dedicado a Indyra Castro Gomes, a pirata que habita em meu coração)

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