Por Jeremias Macário
Li dia desses a reclamação de um colunista de jornal de grande circulação de que estava sem assunto para escrever. Achei muito estranha a sua preocupação. Ora, o que mais temos neste país são assuntos os mais diversos,que vivem a atropelar uns aos outros. Pena que são os mais escabrosos, escandalosos e desumanos.
Aqui mesmo em Vitória da Conquista temos vários temas para escolher, que dariam para passar um ano escrevendo e ainda sobrariam muitos. Mas, vamos nos deter no centenário de nascimento do jornalista, escritor, poeta e crítico literário Camilo de Jesus Lima (nascido em 8 de setembro de 1912, em Caetité), que praticamente passou em branco e ficou desconhecido para a grande maioria da população. Um chocho centenário.
A “homenagem” prestada no Centro de Cultura, que leva o seu nome, feita nos dias 4, 5 e 6 passados, ficou muito aquém do desejado. Pelo tamanho da sua obra literária e de suas ações, tendo projetado Conquista lá fora (foi premiado no Rio de Janeiro), merecia uma programação cultural à sua altura e do porte de uma cidade como Conquista, a terceira maior da Bahia.
Mesmo sem quase nenhuma divulgação (simples registro na mídia local), fui à abertura e lá estavam umas 10 ou 15 pessoas no Centro de Cultura onde tinha uma exposição de quadros e uns painéis do Sesc com alguns textos da poética de Camilo. Para o dia 5 estava prevista a apresentação de uma bailarina, e o cantor e compositor Gutemberg Vieira musicou letras da obra do “homenageado”.
Para ser objetivo, e não fugir da polêmica e da crítica, foi sim uma fraca e vergonhosa “homenagem”, característica de um município que ainda não tem uma política cultural definida, apesar de tantas discussões e conferências proferidas ao longo desses anos.
Sei que mais uma vez vou ser odiado e apedrejado, mas já estou calejado de apanhar, e não vou me calar, porque não faço parte desse imposto pensamento hegemônico que a tudo concorda. Conquista merece muito mais que um “jarro decorativo de flores” numa mesa, ao qual dão o nome de cultura.
O centenário de Camilo de Jesus Lima, morto em 3 de março de 1975, não passou de uma simplória “homenagem”, desprovida de mais conteúdo e planejamento. Pelo menos o poder público, em conjunto com a UESB, as instituições privadas de ensino superior e demais segmentos da sociedade, deveria ter promovido a realização de uma semana de estudos, exposições e debates na cidade em torno da obra do escritor e poeta, que veio morar em Conquista ainda criança. Poderia, inclusive, ter feito um trabalho de intercâmbio cultural com Caetité, para abrilhantar as comemorações.
Camilo de Jesus Lima foi um grande intelectual baiano, não tão conhecido e famoso como Jorge Amado, mas com trabalhos versáteis e tão importantes quanto os escritos pelo itabunense. Tinha apenas o curso ginasial incompleto, mas sabia falar e escrever inglês, francês, espanhol e latim, chegando a lecionar português em Encruzilhada e Conquista.
Como jornalista, escreveu para vários jornais, e foi preso em maio de 1964 pela ditadura civil-burguesa-militar, em Macarani onde atuava como oficial de registro de imóveis e hipotecas.
Levado para Salvador com outros companheiros de Conquista, conforme cito no meu mais recente livro “Uma Conquista Cassada” (ainda na elaboração da arte final), ficou encarcerado no Quartel de Monte Serrat e depois transferido para o Quartel de Amaralina. Conforme testemunhas, sempre procurou consolar seus colegas de cela, fazendo citações de seus poemas e contando piadas.
Suas obras, como Novos Poemas, As Trevas da Noite Estão Passando, Cantigas da Tarde Nevoenta, a Mão Nevada e Fria da Saudade, Rio Baixo, Viola Quebrada, dentre outras, expressavam sede de justiça, com tendência socialista-marxista, daí muitos afirmarem que ele integrava o núcleo do PCB (Partido Comunista Brasileiro, o Partidão), mas não existem comprovações. Era um simpatizante e comungava dos mesmos ideais socialistas.
Outra versão não confirmada é que ele teria sido assassinado pela ditadura, na chamada “Operação Radar”, entre os anos de 1974 a 1976, montada pelo regime para fazer uma limpeza geral dos membros do PCB.
O caso mais provável de assassinato cometido pelos militares foi o do seu conterrâneo de Caetité, Anísio Teixeira, em março de 1971, cujo corpo teria sido jogado no poço de um elevador. Camilo, conforme ocorrência policial, foi atropelado, em 28 de fevereiro de 1975, quando descia de uma Kombi, em Itapetinga, e tentava atravessar a pista em direção à cidade.
Fica aqui a nossa reflexão sobre a necessidade urgente de se formatar uma política cultural séria e planejada para nossa cidade, em benefício, sobretudo, dos nossos jovens, tão carentes de conhecimento e sabedoria. Não basta uma simples “homenagem” a Camilo de Jesus Lima, Laudionor Brasil, Erasthóstenes Menezes, Clovis Lima, Euclides Dantas e tantos outros. Logo tudo cai no vazio esquecimento.
Só para citar um caso, desde o início do ano 2000 que um grupo de artistas e escritores luta para que as obras de Camilo sejam editadas, tornando o autor mais conhecido do público. Cabe ao poder público, com o dinheiro do contribuinte, tomar essa iniciativa, contemplando também outros autores locais para que sejam lembrados por todas as gerações.
Nossa cultura não pode ficar resumida a uma festa de São João e a um Natal, nem num ponto de cultura popular. Tem que expandir todas suas bases e vertentes de suas linguagens artísticas ao alcance de toda comunidade. A cultura não pode continuar sendo apenas a cereja do bolo.
Cadê as nossas bienais de artes plásticas, os verdadeiros festivais de música (não me refiro a shows fechados de bandas, a maioria de péssimo gosto) e os festivais de dança e teatro? E o memorial de Glauber Rocha que terminou ficando no Rio de Janeiro? Sobrou para nós uma armação perdida no tempo, lá na saída para Anagé. A casa onde o cineasta nasceu poderia ser um centro de audiovisual, ou coisa parecida, para a visitação pública, inclusive de turistas. Continua esquecida de muitos na rua Dois de Julho.
É lamentável que a nossa cidade, capital do sudoeste, e um dos municípios mais dinâmicos do Brasil em termos de desenvolvimento, não tenha uma feira do livro, como já existe em pequenas cidades, inclusive da Bahia (exemplo de Cachoeira). Quem cuida da nossa literatura? Quem zela pela nossa cultura e a dos nossos filhos? Na concepção de muitos, o livro é coisa do passado, objeto de uso arcaico.
*Jeremias Macário é jornalista
PS.: A coluna OPINIÃO do Conversa de Balcão está aberto às colaborações. Basta enviar o seu texto para conversadebalcao@hotmail.com.