Leia o artigo publicado em O Globo no último dia 05/01.
Aos olhos de quem vê – por Daniela Mercury
“Ainda nos oferecem camas de
solteiro quando fazemos check-in
em hotéis, nos pedem para
preencher formulários como sr.
e sra., noivo e noiva, pai e mãe’’
Em abril deste ano escrevi no meu Instagram: “Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração para cantar.” O motivo? Malu é uma mulher e se eu não a apresentasse como minha esposa, ela seria tratada como minha empresária, produtora, amiga, ou qualquer outra coisa, menos esposa. Infelizmente, mesmo depois da repercussão do meu comunicado e do nosso casamento civil, muitas pessoas ainda falam com Malu como se ela fosse minha produtora ou assessora. Imagine se eu não tivesse falado nada?
Eu sou militante social há 18 anos, trabalhando como embaixadora do Unicef, embaixadora do Instituto Ayrton Senna e no meu próprio instituto, o Sol da Liberdade. Agora estou mais inserida na luta contra a homofobia. Por isso, ao relembrar minhas leituras sobre a sexualidade humana, pensei, obviamente, no tão popular Sigmund Freud.
Há cerca de cem anos, Freud lançou obras importantes que começaram a desvendar a sexualidade humana. Em seguida, Lacan reitera e amplia as descobertas, e o mundo começa a compreender o ser humano. Freud afirmou que a nossa sexualidade é múltipla e desordenada. Disse que a pulsão sexual humana é orientada pela diversidade e parcialidade. Ainda afirmou que o que causa a homossexualidade é o mesmo que causa a bissexualidade e a heterossexualidade: a escolha inconsciente do objeto de desejo. E que nenhuma escolha é mais natural que outra. É uma pena que, um século depois, estejamos discutindo o preconceito contra homossexuais.
Hoje, eu e Malu estamos casadíssimas no civil, fomos capas das revistas mais lidas do Brasil, participamos de programas de TV e demos centenas de entrevistas. Mesmo assim, ainda passamos por situações que demonstram o quanto estamos longe de tratar com naturalidade um casal de mulheres ou de homens: tentam fingir que não nos veem, que não somos um casal. Chamo isso de invisibilidade social. Ainda nos oferecem camas de solteiro quando fazemos o check-in em hotéis, nos pedem para preencher formulários como sr. e sra., noivo e noiva, pai e mãe. Homens paqueram uma ou outra, ou as duas, ignorando que somos casadas. Alguns ficam nitidamente confusos e constrangidos e olham para o chão ou desviam o olhar quando eu a apresento como minha esposa.
Mas por quê? Existe algum padrão para “gente”? Freud diz que não! Por sabermos que há muito o que fazer para naturalizar a relação homossexual no Brasil e no mundo, eu e Malu aceitamos o convite pra escrever o livro “Daniela & Malu: Uma história de amor” (LeYa), onde expomos nossa intimidade, nossos medos e fragilidades para que desmistifiquem a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Duas pessoas bem-sucedidas, inteligentes e bonitas, que sempre quiseram mudar o mundo e descobriram que um testemunho vale mais do que mil palavras.