Por Tatiana Mendonça, da revista Muito
Daniel Cady, 29, não gosta muito de aparecer. Nos seus perfis nas redes sociais, é mais fácil encontrar fotos de comida do que selfies no espelho. Enquanto mostra o que almoçou ou jantou, faz propaganda do próprio trabalho. Formado em nutrição pela Universidade Federal da Bahia em 2010, Daniel foi compulsoriamente alçado ao universo das celebridades quando se casou com a cantora Ivete Sangalo, 42. No começo, assustou-se com a perda da privacidade, mas hoje lida bem com o assédio do público e da mídia, apesar de preferir manter-se longe dos holofotes. “Sou mais sossegado, gosto de ficar em casa ou ir para a Praia do Forte”. Entre as atividades domésticas, é ele quem faz as compras no mercado e quem monitora o preparo das refeições da família, cujo centro é o filho Marcelo, de 4 anos. Daniel também atende clientes menos chegados em sua clínica (R$ 250, a consulta), além de orientar alguns dos atletas que integram a seleção brasileira de maratonas aquáticas. Nesta entrevista, ele fala sobre alimentação saudável e questiona a recomendação de comer de três em três horas. “As pessoas estão mais preocupadas em seguir o relógio do que com o que vão consumir”.
Uma das recomendações mais conhecidas sobre alimentação é que se deve comer de três em três horas. Você é contra essa orientação. Por quê?
Acredito que não há recomendação generalizada em nutrição. Somos muito diferentes um do outro. Para os pacientes compulsivos, a pior coisa é comer de três em três horas, porque eles precisam voltar a reconhecer os sinais do corpo, a ser guiados pela fome. Além disso, o que eu percebo é que as pessoas estão mais preocupadas em seguir o relógio do que com o que vão consumir de fato. Aí vem o lanche: barra de cereal com chocolate, biscoito integral que de integral só tem o nome… Um monte de porcarias que acaba elevando a quantidade de calorias ao final do dia. Nunca se comeu com tanta frequência como se come hoje. Nossas avós tomavam café, almoçavam e jantavam, e nem por isso a população daquela época estava tão gorda e tão doente como a de hoje. Três a quatro refeições por dia são o suficiente para uma vida saudável e, eventualmente, atingir um objetivo de perda de peso.
E aquela história de que comer com mais frequência acelera o metabolismo?
É verdade, mas quando você está em jejum – durante o sono e no intervalo entre as refeições – você queima gordura. Agora, se a pessoa é um atleta ou treina muito, vai ter a necessidade de comer com mais frequência, até para atingir os objetivos de ganho de massa muscular.
Quais são os perigos das dietas ditas saudáveis, como o frango com batata-doce e clara de ovo, das pessoas que fazem treinos intensos nas academias?
Esse padrão alimentar, herdado do fisiculturismo, acabou se popularizando. É uma alimentação muito restritiva e monótona, que não cobre as necessidades nutricionais em termos de vitaminas e sais minerais. Geralmente, quem está comendo assim usa muitos suplementos e, também, anabolizantes. Aquela imagem, tida como perfeita, não é sinônimo de saúde. Uma alimentação saudável envolve os grupos de frutas, verduras, hortaliças, carnes, leguminosas, oleaginosas, enfim. Tem que comer de tudo.
Outro modismo é condenar os alimentos que contêm glúten e lactose. O que realmente procede nessa discussão?
A lactose é o carboidrato do leite, certo? Todos nós, quando nascemos, temos plena capacidade de ingerir e absorver esse nutriente. Mas isso vai diminuindo com o passar dos anos. Aí aparecem vários graus de intolerância. Há quem tome um copo de leite e não sinta nada e quem tome um dedinho e tenha gases, refluxo, cólicas. A recomendação é personalizada. Não se deve sair cortando leite e derivados sem critério, sem analisar a sintomatologia. As pessoas estão muito preocupadas em retirar alimentos e não em incluir. Lógico que existem outras fontes de cálcio, o leite não é tão indispensável assim. E há várias opções de leite sem lactose: de arroz, de soja, de aveia, de castanhas…
E em relação ao glúten?
O glúten é a proteína do trigo e de outros cereais, como aveia, centeio.. Só arroz, quinoa e milho não têm glúten. Esta proteína está associada a um poder alergênico muito grande. Muitas pessoas têm intolerância e não sabem. Só que existem, também, vários níveis de intolerância. O grau extremo é o daquele indivíduo que tem a doença celíaca. Ele pode morrer se comer alimentos com glúten, pode ter uma inflamação intestinal tão grande que perde a capacidade de absorver nutrientes, cólicas absurdas, enxaquecas, enfim. Outros efeitos menos graves são dilatação abdominal, gases, cólica, retenção de líquido, indisposição. Os casos de intolerância aumentaram porque o diagnóstico melhorou e também porque o trigo que consumimos hoje tem uma concentração de glúten muito maior que há 10 ou 20 anos. Outro problema é que a população consome mais alimentos industrializados, e quase todos têm farinha de trigo na composição. Mas, como falei em relação à lactose, isso é algo que tem que ser avaliado antes de ser retirado da dieta. Precisamos entender que isso também é um gancho para a indústria de alimentos, abre um leque enorme para os produtos sem glúten e sem lactose. É um mercado que se cria.
Nós consumimos muitos produtos industrializados sem saber o que tem de fato ali, como pães integrais com mais farinha branca do que farinha integral. Como se proteger disso?
No caso do pão, quanto mais macio o miolo, mais farinha branca tem. O pão integral de verdade é mais escuro, mais rígido. O ideal é sempre ler o rótulo. E ler o rótulo não significa ler a tabela nutricional, que diz quanto tem de carboidrato, de proteínas… É ler os ingredientes, mesmo. Se você pegar um alimento e no rótulo tiver muitos nomes que você não sabe nem pronunciar direito, desconfie, porque ali tem muitos conservantes e aditivos químicos. Outra dica para ler o rótulo é que o primeiro ingrediente é o que está presente em maior quantidade. Se numa barra de cereal o primeiro ingrediente é floco de arroz, é porque o que mais tem ali é floco de arroz. Se o segundo ingrediente for logo açúcar, é porque tem muito açúcar. E a pessoa pensa que está consumindo algo supersaudável. O ideal é consumir alimentos mais naturais, orgânicos, que têm uma carga tóxica menor. Nos alimentos industrializados, dê preferência aos que tenham no rótulo ingredientes que você reconheça. Às vezes, o aditivo nem está escrito. Aparece como um símbolo acompanhado de um número, como A 145, por exemplo.
É para ninguém saber mesmo…
É, isso aí. E aí existe uma tabela, que nem sei mais onde fica, e lá vai estar escrito corante tartrazina, que é aquele corante amarelo que dá gosto de abacaxi na gelatina. É altamente tóxico, várias crianças têm intolerância, alergia.
Para a criança, o que é pior: suco de caixinha ou refrigerante?
O refrigerante ainda consegue ser pior, pela combinação de cafeína com açúcar, que é uma bomba. Mas a diferença é pequena. O suco acaba sendo tão ruim quanto. Aquele em pó, então, é um veneno. Tudo é péssimo, sacou? Hoje existem no mercado sucos que são mais naturais, sem conservantes e sem açúcar.
E a comida baiana, que muitos soteropolitanos consomem nos restaurantes a quilo na sexta-feira, é saudável?
Depende da quantidade e da frequência do consumo. A comida baiana é bastante calórica. O caruru é uma opção melhor que o vatapá ou o acarajé, por exemplo. Mas nós temos que lembrar que não se comem só calorias. É uma questão cultural, é o que você herdou em termos de comportamento, de paladar… É algo muito íntimo se meter no hábito alimentar de uma pessoa. Eu não sou a favor de nenhuma proibição. Agora, como recomendação, acredito que esta é uma comida que deve ser consumida eventualmente, de quinze em quinze dias. Da mesma forma, ninguém vai morrer se comer um sanduíche do McDonald’s. Mas se você comer isso toda semana, claro que vai ter problemas. De maneira geral, restringindo o consumo de açúcar, farinha e sal, três pós brancos, já dá para sentir uma melhora na saúde. Evolutivamente, o nosso organismo não se adaptou bem à metabolização de níveis tão altos dessas substâncias. Por isso, hoje, há tanta gente com diabetes, obesidade, pressão alta…
Como seguir essas recomendações comendo tanto na rua e sem fazer com que a alimentação saudável vire neurose?
Hoje é muito difícil encontrar um restaurante que não tenha uma opção de salada ou arroz integral, alimentos mais naturais. É preciso aprender a selecionar e a se controlar. Outra opção é levar comida de casa. A pessoa tem que querer a mudança e deixar de desculpa. É preciso se preocupar com a qualidade dos alimentos, mas sem extremismos. Muita gente se torna antissocial pela obsessão em comer de forma saudável. Acaba virando uma pessoa chata, que só fala em comida, em percentual de gordura, que se pune muito e não aproveita os prazeres da vida. Temos que buscar o equilíbrio.
Você parece ser uma pessoa tranquila, discreta. Como é transitar nesse universo de celebridades?
Nós não transitamos muito, não. Ivetinha é uma pessoa muito caseira, pé no chão. Ela participa de alguns eventos, mas, na maioria das vezes, é a trabalho. No início, foi um baque. Porra, você se sente meio vigiado, perde a privacidade e não sabe bem como lidar com isso. Mas, hoje, é tranquilo, já estou acostumado. O público tem um carinho enorme por ela, e eu acabo recebendo um pouquinho disso também.