Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente (publicado no LINK)

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Você acorda, abre o WhatsApp, e vê que o seu tio compartilhou no grupo da família uma foto muito engraçada de uma pessoa fazendo uma pose constrangedora. Você, que é antenado em tecnologia, coloca uma frase em cima fazendo piada da situação, e manda pro grupo dos amigos de escola. Dois amigos da escola compartilham nos grupos de trabalho deles, de onde outras pessoas compartilham com amigos da escola, com a família, com os grupos de pôquer de terça, com os grupos dos jantares a cada 15 dias. Vai parar no Facebook, no Twitter, vira uma das imagens mais compartilhadas da semana. A Internet inteira só fala disso. Sites que se dedicam a reportar essa “cultura dos memes” colocam a imagem em listas dos temas mais compartilhados. Todo mundo viu. Até a pessoa que foi fotografada. Quem é ela?

Você já parou pra pensar em quem é o bebê da vitória (“success baby”), e como seus pais lidam com isso? Ou em quem é a mulher do meme “first world problems”, que é usado pra fazer piadas com problemas fúteis (o nosso “classe média sofre”)? Onde ela mora, com o que trabalha? Ela é reconhecida na rua? Ou se a adolescente que começou a ter o rosto estampado em memes sobre “namorada muito ciumenta” leva uma vida “normal”?

Quando uma imagem vira hit na Internet, não questionamos de onde ela veio ou o contexto em que foi capturada. Parece que aquele rosto ou expressão facial viraram uma espécie de bem coletivo – é como se a pessoa que está por trás não existisse. O que acontece se ela não gostar?

O portal R7, da Record, divulgou, um tempo atrás, um especial do Dia dos Pais, agregando imagens do que chamou de “Top 50 esquisitices”. No meio delas, a foto de um casal esperando um filho, com piadas sobre a aparência do pai, que “pareceria um psicopata”. Eles não gostaram, e venceram, dias atrás, um processo contra o portal, que terá de indenizar-lhes em R$ 10 mil por danos morais e violação de direito à imagem.

Na decisão, o desembargador argumentou que a mera utilização da imagem de alguém não enseja indenização por danos morais. É preciso provar que tenha ocorrido efetivo dano ou sofrimento. O R7 tentou argumentar que não tinha responsabilidade, porque a imagem tinha sido tirada de um outro site, onde já tinha 100 mil visualizações. O juiz entendeu que isso não tinha relevância, já que o portal teria sido imprudente de qualquer forma ao reproduzir a imagem de pessoas sem se certificar de que tinha a sua autorização.

A decisão também destacou que a liberdade de informação, um direito garantido na Constituição Federal, não significa uma carta branca para as empresas jornalísticas. A proteção à honra e à imagem, também garantida na Constituição, impõe limites à exploração da imagem das pessoas, que só poderia ocorrer para atender interesse público. Quando o único objetivo é fazer piada com a foto de alguém, a pergunta que fica é: onde estaria esse interesse?

O Código Civil garante que a pessoa possa proibir a utilização da sua imagem sem autorização nos casos que aconteçam prejuízos para a sua “honra, boa fama e respeitabilidade”. São conceitos bem amplos, e não são poucas as críticas direcionadas ao artigo, vide a polêmica das biografias. Ao que parece, essa legislação precisa ser equilibrada com os direitos fundamentais de liberdade de expressão e acesso à informação.

No caso dos memes fica ainda mais difícil pensar na operacionalização disso. São muitas perguntas difíceis: como definir quando a pessoa autorizou o uso da sua imagem? Se ela mesma posta uma foto em um perfil aberto ao público, ela estaria consentindo com a sua possível utilização em alguns casos? Como encontrar a pessoa que aparece em uma imagem para pedir sua autorização para um outro meme, derivado? Ou, ainda, como descobrir quem foi o responsável pela criação de um meme que foi amplamente compartilhado na rede? Quem compartilha também pode ser responsabilizado? E, nesse caso, como saber se o meme é “lícito” ou “ilícito” antes de compartilhá-lo?

Há alguns casos em que as respostas são mais fáceis. Quando há exploração comercial da imagem (como numa propaganda, por exemplo), a autorização é obrigatória, ainda que não haja ofensa à honra dos retratados. Recentemente, a mídia noticiou a intenção dos artistas Chico Buarque, Drica Moraes e Marjorie Estiano de processar um shopping em Teresina, que teria criado memes com a sua imagem, sem autorização (reproduzidos acima).

A definição da necessidade de autorização para o uso da imagem nesses novos casos depende, portanto, de muitos parâmetros que mudam de situação para situação. Saber quem é a pessoa retratada, se é possível identificá-la claramente. Saber onde a foto foi clicada ou de onde a imagem foi tirada. Entender qual o contexto original da imagem e qual o contexto que ela será utilizada. O uso da cara de algum personagem de seriado em um meme parece menos lesivo do que caçoar por alguma careta ou aspecto físico de uma pessoa real que sequer é famosa.

Em um mundo em que fica cada vez mais fácil registrar e compartilhar o que está à sua volta, estabelecer o melhor balanço entre o direito à informação e à expressão e o direito à imagem é um desafio gigantesco. Não dá para tornar o meme ilícito. Ao mesmo tempo, prescindir da proteção à imagem pode abrir caminho para uma série de abusos. E, engraçados ou não, somente rir deles pode não ser o melhor remédio.

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