Por Maria Eduarda Carvalho e Mariana Kaoos

“Quem é esse pivete com você?”, perguntou Ney Matogrosso a uma amiga. O ano, 1979, o cenário, Ipanema. O pivete era Cazuza, 18 anos, corpo curtido de sol. Até então, conhecido apenas como o filho de João Araújo, o “cara” da Som Livre. Mas, não só! De língua presa e um jeito debochado de ser, Caju, como era chamado pelos amigos mais próximos, já encantava a todos com sua maneira de conduzir a vida, de amar. O encanto de Ney foi retribuído da mesma maneira, assim como aos tantos outros homens e mulheres que por Cazuza se envolveram.

A sexta-feira pós feriado acordou com sono e sem vontade de acordar… Mas o dia estava claro, com o sol transbordando em cor e intensidade, e deu mais vigor para os ânimos em relação ao que, logo mais, iria acontecer. Existe sempre uma expectativa sobre a noite que chega, o que promete o fim de semana. Burburinho nas redes sociais, conexões, combinações, segredos de liquidificador. A vontade de ver essa ou aquela pessoa e de curtir um bom som.

Na noite de ontem, 2, a concentração desses desejos se voltou a um evento em especial. O público, um grupo que mesclava desde roqueiros a patricinhas, se aglomerou entre as quatro paredes do bar Viela para relembrar a memória de Cazuza, o maior abandonado. Quem o trouxe de volta? Elas. Narjara Paiva, Jeh Oliveira, Marlua Sousa e Marcelly Cillani. A empreitada foi corrida, tiveram pouco tempo de ensaio, “resolvemos tudo rapidinho, em questão de 15 dias e [em consequência disso] muitos arranjos saíram naturalmente, vieram de experiências próprias de cada uma”, revela Narjara (foto abaixo).

Fotos de Amanda Nascto
Fotos de Amanda Nascto

Com o público ansioso para a apresentação, o show começou por volta das 23 horas. Das cordas da guitarra de Narjara, ecoaram as primeiras notas da música “Pro Dia Nascer Feliz”. Foi suficiente para estimular o ânimo dos presentes que começaram a dançar e deixaram o ambiente ainda mais quente e pequeno.

“Eu nunca fui muito fã de Cazuza, quando Renato, dono do Viela,  propôs a idéia [do tributo], eu achei que não teria muito a ver com a minha praia. Eu não conhecia Cazuza e então passei a estudar. A partir daí eu percebi que a história dele é mais complexa que a de outros artistas. Ele se assumiu bissexual, soropositivo e isso tudo tem uma importância muito singular, é um feito ímpar para uma figura pública que lida com a fama”, explica Jeh (foto abaixo), que mostrou os estudos durante a apresentação. A baixista e vocalista fez questão de, no intervalo das músicas, destrinchar melhor a história do cantor, dando ao público uma noção também histórica da importância da homenagem.

Fotos de Amanda Nascto

Cazuza foi considerado por outros artistas, como Caetano Veloso, um dos maiores poetas que o país já possuiu. Além de Caetano, inúmeros nomes da MPB regravaram suas canções. Dentre eles, grandes mulheres como Marina Lima, Bebel Gilberto, Adriana Calcanhoto, Cássia Eller. Todas com um trabalho muito distinto, mas que convergem quando se fala de personalidades fortes e qualidade artística. Não é à toa que elas regravaram Cazuza. Ele tem a capacidade de traduzir sensibilidade nas suas composições. É como se ele trouxesse o másculo, o sexual e, ao mesmo tempo, o feminino, a beleza das coisas.

Foi justamente esse contraste que Marlua, Jeh, Narjara e Marcelly demonstraram no palco. Sensuais ao extremo, elas conseguiram deixar o público absorvido e entregue aos encantos de algumas interpretações como “O Tempo Não Para”, “Preciso Dizer que Te Amo” e “O Mundo é um Moinho”. Infelizmente essa sensação não foi via de regra e o êxito não cobriu todas as canções.

Não demonstrando conhecimento suficiente das músicas de Cazuza, as meninas suprimiram, erraram e deixaram para o público cantar boa parte das canções. Outros problemas técnicos também interferiram como a qualidade do som e da acústica do ambiente. As músicas cantadas em quarteto também não alcançaram a qualidade desejada, as vozes por vezes se desencontraram, mas a maioria dos problemas veio mesmo da falta de ensaio, futuras apresentações do projeto podem ser muito boas, se contarem com a mesma agitação do público então, está garantido.

Os convidados Ítalo Silva e Miguel Nery deixaram uma boa contribuição, Jeanna Lopes apesar de derrapar na letra também animou em “Malandragem”. A canção eternizada por Cássia Eller também é cria de Caju.  Na verdade Cazuza tinha pensado em dar essa música para outra grande artista, Angela Rorô, que prontamente recusou por não se achar mais “uma garotinha”. Então Cássia ouviu, gostou e pediu para gravar. Essa música, sem sombra de dúvidas, se tornou a mais importante de toda a sua carreira.

O tributo acabou, mas o público queria ainda rolar por ali. Ao som dos pedidos bêbados de bis seguiram canções aleatórias, “Is this Love” de Bob Marley, “Tempo Perdido”, de Legião Urbana, todas entoadas com um coral de vozes exageradas. As meninas encerraram assim a apresentação e já anunciaram as boas novas: muito em breve, quem não tem colírio vai de óculos escuros.

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