Por Mariana Kaoos

Lado A: Quinta feira de manhã. As ruas de Ondina são tomadas por técnicos, produtores, pessoas que cumprem as mais diversas funções na estruturação do carnaval de Salvador. Os enormes camarotes fazem seus ajustes finais para receber o folião.  Os vendedores de bebidas já preparam o isopor com gelo para mais tarde. Esse ano, a Schin e a Itaipava compraram a cota exigida pela prefeitura, apenas essas duas marcas circulam nos trajetos do carnaval. Os turistas chegam com suas enormes malas e suor no rosto. O calor é enorme, assim como o entusiasmo coletivo para mais tarde.

Lado B: Quinta feira de manhã. Enquanto um contingente de pessoas envolvidas com o carnaval faziam os últimos ajustes no trajeto oficial, as ruas de passagem do folião, como o Jardim Apipema, foram tomadas pelo que até então estava “de fora” do carnaval.  Inúmeros caminhões amarelos traziam o nome que, lido pelos transeuntes, arrancava sorrisos e comentários: SKOL. A marca que não pagou a cota estabelecida pela prefeitura e, por isso, não pode circular nos percursos oficiais do carnaval, montou estratégias para não ficar de fora: os postos de venda foram colocados em todas as ruas de dentro da Barra e de Ondina, vendedores ambulantes ocuparam uma posição lado a lado com os representantes da Itaipava e Schin e o preço caiu. Quem antes comprava uma Itaipava a dois reais e três por cinco reais, começou a comprar a Skol a um real cada.

Trazendo na latinha o slogan “Skol e Salvador, a gente já se conhece de outros carnavais”, a marca passou a ocupar o principal festejo da Bahia. No entanto, há de se questionar: se em todos os outros anos em que a Skol esteve nos circuitos, o seu preço foi o padrão (uma cerveja a dois reais e três cervejas a cinco reais), por que só agora ele cai e passa a ser um real? E mais: terá sido uma grande estratégia da marca optar por não ter pagado a cota da prefeitura e, no momento preciso, invadir de maneira “clandestina” o carnaval de Salvador? Será que dessa forma o lucro se torna maior?

Lado C: Quinta feira de manhã. Cada vez mais de forma explicita, o carnaval de Salvador é um local onde grandes empresas colocam seus produtos e vendem. A essência carnavalesca da festa, a celebração da alegria, a dança, a comunhão entra as pessoas parece ter sido colocada em terceiro plano. Agora, os protagonistas da vez são o dinheiro, a ostentação e as marcas que, com o seu alto investimento, impõem uma hegemonia de produtos, limitando e impedindo o direito de escolha dos consumidores. Até então, a Schin e a Itaipava eram as únicas cervejas oficiais encontradas no carnaval, e também nas festas populares como o dois de fevereiro. Caso o consumidor não goste de nenhuma dessas marcas, ele tem duas opções: ou opta por não beber, ou bebe mesmo assim.

A Prefeitura Municipal de Salvador alega que o dinheiro investido pelas cervejarias será destinado a uma melhoria na qualidade da festa. Mais segurança, mais banheiros químicos, mais limpeza. Isso aumentaria o bem estar do folião e traria mais respaldo para o carnaval. No entanto, será preciso o consumidor perder o direito de escolha para que alcance isso na festa?  Esse investimento não teria que caber ao governo do estado e municipal? Se esses são os pontos específicos para se garantir qualidade num espaço festivo, como precisar do investimento de uma empresa privada para garanti-los ao público?

Por outro lado, a invasão da Skol é a forma mais correta de se garantir pluralidade na hora da escolha? A Skol sabia que ao não pagar a cota ficaria de fora do circuito oficial? E, se sim, por que só agora decide estar presente na festa, apelando para um preço antes nunca visto na história do carnaval? O mesmo se aplica para outras marcas que, aos poucos, já começam a marcar território: Brahma, Antártica, Devassa, Bohemia.

O que há de se questionar é onde o folião fica no meio disso tudo. Ou onde não fica. Qual o compromisso dessas cervejas com o bem estar do povo e como esse mesmo povo pode se beneficiar com essas transações, sem ter seu direito de escolha agredido. O slogan “Porque sim”, proferido pela Schin, é uma imposição alienante se escolhida como resposta. Já o da Skol (Skol e Salvador. A gente se conhece de outros carnavais) permite desmembrar vários questionamentos do envolvimento da cerveja com o festejo ao longo desses anos. O que é certo é a mudança que vem ocorrendo a cada ano no carnaval da Bahia. É preciso ter cuidado, delicadeza e reflexão ao conduzir todas essas questões. E mais, é necessário um resgate ao verdadeiro intuito do carnaval: colocar o povo como protagonista da festa e pensar em medidas para e por ele.

NOTA: A Brasil Kirin, proprietária da marca Schin e a cervejaria Petrópolis, dona da Itaipava, “comprou os direitos” da festa momesca por um valor total de R$ 30 milhões, sendo R$ 20 milhões destinados ao Carnaval e R$ 10 milhões para outros eventos da cidade na época, como o Reveillón e a Festa de Iemanjá. O comércio de outras marcas de cerveja só é liberado nos circuitos nos blocos e camarotes patrocinados por outras cervejarias.

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