O cantador e violeiro Pereira da Viola, mineiro do Vale do Jequitinhonha, se apresentou em Vitória da Conquista neste sábado, 10 de novembro, no projeto Canto Lunar, promovido pelo Viveiro de Cantigas. Quem foi ao Haras Nazaré Ranch não se arrependeu. Pereira mostrou porque é atualmente um dos principais violeiros do país, surpreendeu quem não conhecia o seu trabalho, fez gente cantar e dançar também. Ele nos concedeu algumas palavras. Confira!
RAÍZES
“Eu costumo dizer que nasci na beira de um fogãozinho de lenha, chamado de fruteira, onde todas as manhãs minha mãe fazia a canjica, fazia pipoca, cozinhava a batata e a mandioca e nós éramos os passarinhos que chegavam para comer esses frutos dados por esta fruteira. Isso fica no município de Teófilo Otoni, na região de São Julião, uma comunidade remanescente de quilombolas, hoje temos o título de sermos quilombolas. E muito cedo eu sai de casa para estudar fora. Fui para o Espírito Santo aos 11 anos de idade para começar a estudar – entrei na primeira série com 11 anos até chegar a me formar em magistério. Nesse momento, entre fazer um vestibular ou a música, eu preferi a música. Esse ambiente meu, da minha família, é um ambiente extremamente rico, do ponto de vista da arte, da cultura, da formação cultural, mas a formação também da ética, do compromisso humano acima de tudo, do respeito e mais a parte econômica sempre foi muito regrada, sempre trabalhamos para o sustento, tínhamos a terra, a mesma que temos até hoje, que meu pai conquistou com muita luta. Meu pai passou uma coisa básica para todos nós os filhos, aos oito homens e às cinco mulheres, que tem que trabalhar e trabalhe no que é seu. Nós não sabemos ser empregados, porque meu pai não deixava a gente trabalhar por dinheiro pra ninguém, mesmo na roça, podia ser o serviço que fosse. Isso é uma tônica pra todos nós. Ter escolhido a música como forma de me sustentar também passa por esse aspecto, costumo dizer que troquei a enxada pela viola, às vezes eu suo mesmo, porque é para suar mesmo, porque na enxada era assim… E acima de tudo eu costumo dizer que minha música é orgânica, é sem venenos, sem agrotóxicos, cultivada de forma bem orgânica mesmo, claro que tem um ou outro remedinho, um captador norte-americano que você compra, um microfone um pouquinho melhor, um sonzinho melhor, mas a essência não muda, é aquela ali”.
FORMAÇÃO MUSICAL
“Inicialmente a música vinha de forma muito genérica para mim, porque eu tinha a formação da música do rádio, das duplas caipiras, Tião Carreiro, Milionário e José Rico… Aprendi primeiro o violão, depois a viola, tudo autodidata. Mas, nesse processo de construção chega um momento que eu via minha mãe falar sobre reforma agrária nos cultos via igreja católica que ela fazia lá em casa. E ela falava que ia ter reforma agrária e meu pai alertava que era perigoso falar da reforma agrária, isso era na década de 1970, e era realmente perigoso, mas ela dizia ‘eu sei que é perigoso, mas está na Bíblia’. Então, a minha família vem dessa formação de ser contra a injustiça. Minha casa já tinha a tradição meio de ser um quilombo, quem chegava era acolhido, tinha sempre um prato de comida e um cantinho para dormir. Todos nós crescemos nesse ambiente e quando eu canto isso tudo está junto. Denunciar a injustiça e valorizar aquilo que é real e que de fato engrandece o homem, a nossa existência, e as fantasias do mundo que vem lubridiando as pessoas não pegam a gente porque a gente tem essa formação familiar”.
CULTURA POPULAR
“A cultura popular sempre foi o elemento que me ligou a isso tudo, é o elemento que me dá a dimensão espiritual, social e político também. São muitos os mestres e sábios que não sabem escrever o ‘O’ mas que dão lições de vida para muita gente que passou pela universidade e eu tenho isso como elemento forte na minha vida”.
NORDESTE
“Nós dessa região de Minas somos muito influenciados pelo Nordeste, eu acho que a Rio-Bahia é um leva e traz de cultura o tempo inteiro. Para nós que nascemos na região de Teófilo Otoni, Vale do Jequitinhonha, Vale do Mucuri, a influência é direta, temos isso muito forte e a identificação mesmo”.
LITERATURA DE CORDEL
“A minha mãe quando falava do que nós hoje chamamos de literatura de cordel, ela chamava de romance. ‘Chegou um romance novo, vamos ler o romance de Zé Pretinho e Cego Aderaldo, Pavão Misterioso, A Chegada de Lampião no Inferno…’, então era romance, todos lá em casa conhecem como romance e ela lia como ninguém. Leitura de cordel já é uma coisa chique.”
DISCO “POTE”
“O ‘Pote’ é um disco feito em parceria com o João Evangelista, que é o poeta escritor de todas as músicas e as melodias feitas por mim e o violeiro Wilson Dias. É um disco que traz elementos desse ambiente de Guimarães Rosa, em alguns momentos tem pinceladas da poesia de Carlos Drummond de Andrade como referência. Esse ambientes rural e urbano estão trilhados nesse disco que eu, particularmente, gostei muito de ter feito”.
Se melhorar, vira rapadura!
Comentários
Parabéns Ailton…, pela excelente Matéria sobre Pereira da Viola, esse grande talento da Autêntica Música de Raiz Brasileira. Felizmente existem grandes Jornalistas como Você que irão sempre manter em evidência a divulgação da verdadeira Música de qualidade em nosso País.
Incelente Maravia
Geremias
Cândido Sales – Ba
Muito obrigado, eu que agradeço por ter me apresentado o incelente Pereira da Viola, e outras maravia da nossa música, em tempos mais remotos.