Esse conto é dedicado ao rei Gustavo Fontes e a todas as matriarcas da família que encontraram no amor a cura para qualquer mal.
Por Mariana Kaoos
Era rei. Vindo de muito longe, vagava entre os reinos dia após dia. Exausto, pés calejados, ombros curvos. As marcas do tempo encontravam-se em toda a sua pele, que oferecia espaço para rugas e sardas. Tomavam o corpo inteiro, menos os olhos. Estes eram a fonte de beleza do rei. Firmes e brilhantes, seus olhos ficavam sempre abertos, captando tudo através do silencio, comunicando-se através da variação de cores que ele possuía. Mesmo com o corpo desgastado, amarelo, os olhos de criança conferiam ao rei um ar tenro, de inocência e delicadeza. Era dessa forma que ele impunha sua força e cativava quem estivesse ao seu redor.
Havia algum tempo, ele descobrira uma forte doença que colocara em risco todo o destino do povo que governava. Os alquimistas de sua terra puseram-se hora após hora a trabalhar numa cura. Foi em vão. As centenas de poções faziam o rei perder peso, perder pêlos. A princípio havia sempre uma melhora, mas logo depois via-se que eram placebos. Desesperado, o rei passou a vagar de reino em reino, na esperança de encontrar alguém que lhe curasse.
As tentativas foram enormes. Junto com a sua tropa, o rei adentrou pelos reinos de Pasárgada, a Terra dos Gigantes, Far Away, Neverland e Fantasia, mas nenhum feiticeiro de nenhum desses lugares pode lhe proporcionar a solução. Sua doença parecia algo terrível, mortal. Em todas as fórmulas de cura, faltava sempre um ingrediente secreto, que nem mesmo Merlin, o grande mago, conseguiu desvendar.
Foi apenas no último reino, quase esquecido pelos mortais, que a esperança retornou aos olhos do rei. Morgana, a maior sacerdotisa de Avalon, afirmou não possuir a cura, no entanto, se ela realmente existia só havia um lugar em que poderia ser encontrada: O Caminho das Matriarcas. Fez um mapa e entregou à tropa real. O lugar não era tão distante assim. No entanto, advertiu a todos para terem cuidado. Segundo as lendas das Avós Sorrateiras, O Caminho das Matriarcas era muito belo. Todos que adentravam queriam lá ficar, só que era proibido. O local servia de passagem para viajantes a procura de algo. Podiam passar um, dois ou três dias, nada mais que isso. As únicas que possuíam o direito de residir ali eram as próprias matriarcas e mais ninguém.
Advertido, o rei se despediu de Morgana e seguiu estrada abaixo, rumo à esperança e à fé. Após dois dias e meio de cavalgada, observando a vegetação que mudara completamente, ele chegou aos limites de entrada para O Caminho das Matriarcas. Bateu palmas, gritou por alguém, deu tiros para o ar. Todas as tentativas foram frustradas. Só vieram lhe receber quando, meio que por acaso, o rei deu um assobio, imitando o canto de um sabiá. Uma senhora simpática, cabelos curtos e negros, óculos de grau e vestido florido lhe convidou para entrar, mas não sem antes lhe pedir a benção. O rei, obediente, cumpriu o pedido da velha senhora e, de braços dados com ela, começou a caminhar.
Absorto com o que seus olhos de menino observavam, quase não acreditou no que estava diante de si. O chão era de areia, haviam coqueiros, goiabeiras, mangueiras. Os pássaros eram aos montes, cantando em uníssono uma canção de cada vez. Por fim, tinha quatro casas, que ele deduziu ser a morada das matriarcas, e, em frente a elas, o mar. Quando viu pela primeira vez a força e a infinitude daquele monte de água diante de si, saíram lágrimas de respeito dos seus olhos.
A senhora que o recebeu, conduziu o rei a uma varanda, onde lhe apresentou a todas as outras matriarcas. Eram mulheres de todas as idades. Jovens mulheres, crianças mulheres, velhas mulheres. Todas bruxas, traziam na testa um terceiro olho, a marca das iluminadas. Após ouvirem com atenção sobre a doença e o percurso que o rei fizera a fim de encontrar a cura, elas resolveram lhe ajudar.
Começaram então o ritual sagrado. O rei ficou em pé, em frente a elas, que tomavam aos montes poções, bebidas mágicas que as ajudariam a seguir o ritual. Nesse instante, os pássaros pousaram ao redor do rei e ao comando de um imponente Bem-Te-Vi começaram a cantar melodias diferentes. Através do som, as matriarcas começaram a dança.
Fizeram uma roda, onde cada uma mexia o corpo de acordo com a sua própria energia. Braços, pernas, cabeça se movimentando sem parar. Com os passar do tempo, as matriarcas passaram a cantar com os pássaros, e a euforia que antes era individual, transformou-se num transe coletivo, emanando uma luz que ia em direção ao rei.
A música crescia, a dança crescia, a luz crescia. Em momento de êxtase, o rei, de livre e espontânea vontade, chegou perto das bruxas. Entrou na roda, ficou no meio. Sua energia era tão forte e bonita, que as matriarcas se aproximaram e o abraçaram. Todas ao mesmo tempo. Dançaram assim, abraçadas, como se elas e o rei, fossem uma só pessoa.
A tarde ia caindo em meio ao ritual que cada vez tornava-se mais intenso. Quando as matriarcas sorriam, o rei sorria junto, sua pele se tornava menos amarelada e as rugas iam desaparecendo. Já quando choravam, o rei se mantinha firme e tinha a impressão de que, junto com as lágrimas que iam embora, a sua doença também ia.
Em um passe de mágica, as matriarcas uniram-se e, de olhos fechados, transformaram-se num grande e único útero, onde guardaram com afinco o coração e o espírito do rei. Seu corpo, contudo, ainda permanecia no meio da roda, onde captava todas as energias vindas daquelas mulheres.
O coração dele, submerso em amor materno, revigorou-se, encontrando forças para bater firme por mais treze vidas. E o corpo, bombardeado de energia, achou a cura naquele instante preciso. O ritual chegou ao fim e o rei, pasmo e nu, seguiu seu caminho intrigado pela maneira com que se curou. Segundo as lendas das Avós Sorrateiras, toda gente vem de lá, do amor das matriarcas que geram vidas e as espalham pelos reinos afora. E se assim o é, somente elas são capazes de curar qualquer mal que paire sob a terra.