Por Gil Brito (para o jornal Folha Solta de Setembro)

obama_bell0001 copyAssim que abre a porta do gabinete presidencial, na Casa Branca, acompanhado pelo ex-presidente George Bush (um visitante mais que ilustre, segundo sua concepção), o secretário de Estado John Kerry se depara com uma cena com a qual ainda não se acostumara, embora a veja quase que diariamente há alguns meses, sempre ao entardecer. Vê, diante de si, o presidente Barack Obama aos prantos, debruçado sobre uma pilha de papéis em sua mesa. Kerry olha para Bush, como que a dizer: “Eu não disse?”. Os soluços de Obama produzem um som cortante. É um choro quase que convulsivo. Kerry se dá conta de que a última pessoa que viu chorar de forma tão intensa foi ele próprio, em 2004, quando fora derrotado na eleição presidencial pelo mesmo Bush que agora está ali, acompanhando-o.

Com ar de enfado, o secretário de Estado convida o ex-presidente republicano a ir em direção a Obama. Ao se aproximar, põe a mão direita sobre a cabeça do presidente e começa a acariciar-lhe os cabelos. Surpreende-se ao verificar que a quantidade de fios brancos é bem maior que em 2008, quando o vira tomar posse.

– O que foi desta vez, Barack? São os lucros da Petrobras? Ou você está chorando pelas pessoas que morreram naquele ataque químico na Síria? – pergunta Kerry.

– Não! – responde Obama, em meio a sucessivos soluços.

Surpreso, o visitante Bush toma a iniciativa de perguntar:

– Então, deve ser pelas que ainda vão morrer, quando nós bombardearmos a Síria!

– Não! Não! Não! – responde o presidente, numa repetição causada pelo terror.

Kerry e Bush se entreolham, preocupados. Obama permanece debruçado sobre a pilha de papéis. Prestando mais atenção, ambos se dão conta de que se trata de informes oficiais, ultrassecretos, fornecidos pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA). Kerry se assusta. O que haverá ali, naquela papelada? Algo que, por algum descuido, não lhe passara pelas mãos? Alguma ameaça internacional?

– Barack, o que é isso? O que é que está te fazendo chorar desse jeito? Nós podemos saber por quê? Nós podemos? – pergunta o secretário de Estado, também já quase chorando.

Pela primeira vez, Obama levanta o rosto. Ergue-o de forma subitamente imponente, enxuga as lágrimas com as mangas do paletó, sorri de forma imponente e olha para uma câmera imaginária, enquanto diz:

– Sim, nós podemos.

Kerry e Bush não se surpreendem com a resposta de Obama. Já o ouviram repetir essa frase inúmeras vezes, e sabem perfeitamente que, após a eleição presidencial de 2008, o presidente adquirira um tique nervoso que o leva repetir esse mesmo gesto e esse mesmo slogan, seguidas vezes – inclusive em ocasiões indevidas, como velórios de soldados norte-americanos mortos em combate. Sabem também, que, nesses casos, Obama só volta a se tranquilizar quando lhe mostram fotografias do cadáver de Osama Bin Laden.

– Barack, diga logo! O que lhe faz chorar, desta vez? – indagam Kerry e Bush, praticamente em uníssono.

Refeito do tique, Obama volta a lacrimejar. E, finalmente, conta o motivo de seu pranto:

– Vocês sabiam que o Bell vai deixar o Chiclete com Banana?

Kerry e Bush se entreolham, impactados. Bush, naturalmente, não compreende. Kerry também não, mas por outros motivos.

– Mas, Barack, nós já sabíamos que isso iria acontecer. Constatamos a veracidade dessa informação há três meses, lembra-se? Soubemos antes mesmo de o Bell tomar a decisão! – questiona o secretário de Estado, perdendo a noção de hierarquia e elevando o tom de voz, de forma desesperadora.

– É claro que me lembro… Eu já sabia… É por isso que não paro de chorar há três meses… – responde o presidente norte-americano, resignado.

Bush olha para os dois, sem entender coisa alguma.

***

Cerca de cinco minutos depois, em Salvador-Bahia, mais precisamente na casa do cantor Bell Marques, o empresário do artista lhe entrega um telegrama vindo de Washington, Estados Unidos. Como o texto está em inglês, nenhum dos dois entende coisa alguma. Aliás, parecem achar familiar apenas uma expressão: “Good lucky”. Bell não sabe o que isso significa, mas lembra-se de tê-la visto uma vez, tempos atrás, no rótulo de uma embalagem de tônico para cabelos.

***

Enquanto isso, milhares de pessoas continuam em perigo na Síria, na Bahia e nos Estados Unidos.

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