Entrevista à revista Carta Capital (publicada na edição 781)
Aécio Neves está prestes a superar uma escrita. Caso a vontade da maioria das lideranças do PSDB se imponha e o senador seja consagrado o candidato do partido à Presidência da República, será a primeira vez, desde 1989, que uma liderança com a carreira política construída fora de São Paulo vai representar a principal legenda de oposição. Não será a única novidade. O mineiro promete uma campanha diferente, desconectada do udenismo hipócrita das últimas disputas e centrada no debate sobre o futuro do País. Aécio quer ser o “novo”, contra a “agenda envelhecida” do PT. O tucano promete incorporar o Bolsa Família à Lei de Assistência Social, para garantir sua longevidade e retirar seu caráter eleitoreiro, “reestatizar” a Petrobras, melhorar a eficiência do Estado e estimular a participação do setor privado no desenvolvimento.
CartaCapital: Existe alguma hipótese de o senhor não ser candidato a presidente em 2014?
Aécio Neves: Sim, basta o partido indicar outro nome. Somos a principal legenda de oposição ao governo e, na condição de presidente do PSDB, tenho feito um esforço na direção de consolidar organicamente o partido nos 26 estados e no Distrito Federal, de integrar os vários setores, e ao mesmo tempo renovar o discurso. Meu grande desafio é mostrar o novo PSDB, nossas novas prioridades, um partido capaz de apresentar ao Brasil uma nova agenda que, em parte, recupere conquistas que vieram lá de trás, mas que possa colocar o País no caminho do desenvolvimento sustentável, de uma integração maior com o mundo, de maior qualificação da gestão pública. Não adianta termos uma candidato, os eleitores olharem para ele e não enxergarem nada. O grande desafio é nos colocar como a principal alternativa de uma agenda nova.
CC: Uma pesquisa recente do Datafolha mostra que, na economia, a maioria da população tem uma visão pró-Estado. A agenda tradicional do PSDB é liberal. Por isso o PSDB precisa se renovar?
AN: Para o PSDB, o setor privado tem um papel fundamental no desenvolvimento da economia, na geração e na acumulação de riquezas. O Brasil precisa estimular a participação do setor privado pelo fortalecimento das agências reguladoras, da livre concorrência, da segurança jurídica. Por outro lado, reconhecemos da mesma forma que o Estado tem um papel vital na distribuição dessa riqueza, que o mercado não o fará sem a indução do Estado. Quando falamos na qualificação da gestão pública, no resgate das agências reguladoras como instrumentos de Estado e no acompanhamento das ações de governo, damos um papel absolutamente vital à estrutura do Estado. Hoje há um aparelhamento exagerado do Estado, que impede as respostas adequadas às demandas da sociedade. Não diria que nossa agenda é iminentemente liberal, é uma agenda que estimula o setor privado, que quer dar segurança à sua participação no desenvolvimento. Mas é fundamental para nós um Estado qualificado. Também precisamos de uma agenda nova, a que está em curso é velha: estabilidade econômica, modernização da economia, Lei de Responsabilidade Fiscal. Devíamos falar em inovação, em introdução das empresas brasileiras nas cadeias globais de produção, em uma relação mais pragmática de política externa e de política comercial. A Aliança do Pacífico, o bloco comercial de países liberais da América Latina, como Colômbia, México, Chile e Peru, é um caminho a seguir.
CC: Essa qualificação do Estado passaria por um choque de gestão como houve em Minas Gerais?
AN: O que é o choque de gestão? E gastar menos com a estrutura do Estado e mais com os indivíduos, com as atividades-fim. É estabelecer um governo por resultado. O servidor tem de ser bem remunerado e prestar serviço de qualidade. Em Minas, 100% dos servidores são avaliados e, se cumprem metas, são remunerados com um salário a mais. Isso nos levou a ter a melhor educação básica do Brasil, segundo o Ministério da Educação. Gestão e planejamento são duas características inexistentes no atual governo. Em Minas, alguns servidores, para ocupar cargos na área financeira e administrativa, passam por uma certificação feita externamente, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Não existe medida de maior alcance social do que a boa administração do dinheiro público. O Brasil clama por um choque de gestão e eficiência e peca por não estimular o setor público a prestar serviços de qualidade.
CC: O choque de gestão implica redução do Estado? Quando esteve no governo pela última vez, o PSDB preparou a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica…
AN: Não, de forma alguma. Essa era a grande crítica que se fazia em Minas quando iniciamos esse processo de qualificação do setor público. Hoje há uma compreensão de que isso faz bem aos próprios servidores. Sempre vivemos com esse terrorismo de que o PSDB no governo privatiza isso ou aquilo. O PSDB fez privatizações importantes. Não dá para imaginar o Brasil sem a privatização na telefonia, sem a Embraer privatizada ou com a siderurgia na mão do Estado. Em relação às atuais empresas públicas… eu gostaria é de reestatizar a Petrobras. Ela perdeu 35% de seu valor de mercado em seis anos, é a empresa não financeira mais endividada do mundo, teve sua nota de crédito rebaixada. A Petrobras não pode ser instrumento de política econômica do governo. A grande verdade é que a empresa perdeu sua capacidade de investimento e de ser indutora do crescimento. É por isso que neste ano teremos um crescimento pífio, só maior do que o da Venezuela. E a grande maioria dos analistas aponta mais um crescimento medíocre no próximo ano, em parte por perdermos a Petrobras como instrumento de desenvolvimento.
CC: Mas teria sido possível, por exemplo, a Petrobras descobrir o pré-sal com outra forma de gestão?
AN: O PT é bom de propaganda, mas a história ninguém muda: o pré-sal só foi descoberto em razão dos investimentos feitos durante o governo do PSDB. O modelo de concessões mostrou-se muito mais atrativo para o capital privado. Mais de 70 empresas privadas vieram para o Brasil na época do governo Fernando Henrique Cardoso. O que aconteceu de ruim na mudança de modelo de concessões para o de partilha? Ficamos cinco anos sem fazer qualquer leilão, sem ofertar qualquer área. Nesse período foram descobertas novas bacias, no Golfo do México, na costa da África, a indústria petroleira investiu mais de 300 bilhões de dólares e não veio um só real para o Brasil. A pouca atratividade do pré-sal é conseqüência também da perda de um momento. Infelizmente, vimos no pré-sal um caso único: só houve um leilão, com um único consórcio, organizado inclusive com a participação do poder concedente, e que terminou com ágio zero. A prioridade do leilão não foi o futuro, mas o governo colocar 15 bilhões de reais no Tesouro Nacional para diminuir o fracasso no superávit primário deste ano.
CC: O senhor mudaria a lei da partilha?
AN: Colocaria em discussão publicamente, não na surdina como foi feito, e trataria o assunto sem viés ideológico. Temos uma experiência de leilão na partilha, agora vamos discutir qual modelo traz o melhor resultado para o Brasil no médio e longo prazo. Temos de tirar as amarras da Petrobras na sua subordinação à condução da política econômica e permitir que ela defina, em discussão com a sociedade e seus acionistas, qual o melhor modelo para ela. No atual governo, as coisas são feitas muito no improviso. O PT passou dez anos demonizando as privatizações, assistimos isso sobretudo nas grandes campanhas nacionais, e agora se curva à participação do setor privado, de forma envergonhada, constrangida. Eu saúdo a chegada do PT ao mundo das privatizações. Mas ainda há um grande receio hoje, em determinados setores que poderiam investir no Brasil, com esse excesso de intervencionismo do governo, de mudança de regras, de manipulação de receitas da Petrobras. A propria Eletrobras apresenta um péssimo resultado neste ano em razão da desnecessária intervenção do governo federal no setor elétrico. A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) teve uma perda de 10 bilhões de seu valor em Bolsa por causa da intervenção. Não fizemos os investimentos necessários no setor elétrico. Paradoxalmente, o que salva o governo de apagões mais sérios do que esses que têm ocorrido é o baixo crescimento. Se a expansão do PIB fosse maior, haveria necessidade de mais geração de energia e não teríamos oferta, pois os investimentos foram afugentados pelo governo.
CC: O senhor disse que o PT se envergonhou de privatizar. O PSDB também não teve vergonha das suas privatizações ao disputar as últimas três eleições?
AN: Talvez tenha tido. E se fez, errou. O PSDB em boa parte é responsável por não ter valorizado seu legado. Em todas as oportunidades, sobretudo agora na posição de maior liderança do partido, fiz um esforço para dizer de forma muito clara: certamente tivemos equívocos no governo Fernando Henrique, mas, sem ele, não teria havido o governo do presidente Lula. Eu tenho uma característica diferente de algumas lideranças do PT e do próprio presidente Lula: não acho que alguém que está em outro campo político só tenha defeitos e que meu aliado só tenha virtudes. Eu reconheço acertos do PT. Para o PT e o ex-presidente Lula, parece que o Brasil foi descoberto em2003. E, felizmente, não foi. O Brasil inicia esse processo que nos trouxe até aqui com avanços consideráveis, ainda no governo Itamar Franco. Ele teve a virtude de bancar um plano que não se sabia se daria certo ou não, o Plano Real. O presidente Lula tomou medidas corretas ao unificar e ampliar os programas sociais e ao abandonar o discurso da campanha de 2002 e manter o tripé macroeconômico durante a gestão do ministro da Fazenda Antonio Palocci. Outro acerto do PT é esse de agora: depois de dez anos demonizando as privatizações, se curva à participação do setor privado. Quando segue a cartilha do PSDB, o PT acerta.
CC: A maioria da sociedade está convencida de que o PSDB é contra o Bolsa Família. O projeto que o senhor apresentou recentemente basta para convencer do contrário?
AN: O PT, de forma muito competente, mas irresponsável e até leviana, em todo início da cada eleição dizia que o PSDB acabaria com o Bolsa Família. Mas o Bolsa Família está em nosso DNA. O que fizemos (no projeto)? Elevamos o programa à condição de política de Estado, não mais de um governo. Ele passa a fazer parte da Lei Orgânica da Assistência Social, que comemora 20 anos, e vai ficar no mesmo patamar do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, do Benefício de Prestação Continuada. é uma sinalização para tirar dos eleitores essa inquietação. Se, do ponto de vista eleitoral, esse terrorismo do PT faz mal ao PSDB, do ponto de vista humano faz mal aos beneficiários.
CC: É um compromisso sincero ou eleitoreiro?
AN: O que quero dizer, como presidente do PSDB, é que, no governo do partido, o Bolsa Família será incorporado à paisagem social e econômica das regiões mais pobres do Brasil. Agora, eu tenho uma visão distinta sobre o Bolsa Família. Para mim, é um ponto de partida. Para o PT, é um ponto de chegada. A simples administração da pobreza não é suficiente nem justa para um país com as desigualdades e os bolsões de miséria que temos. Deveríamos pagar um bônus do Bolsa Família para uma família em que os pais se qualificaram em um programa de profissionalização ou que tenha filhos com notas acima da média. No Brasil perdeu-se a preocupação com as condicionalidades do programa e só se preocupa com a sua ampliação. Em dez anos, o que aconteceu com as crianças? E com os pais, eles melhoraram sua renda, foram estimulados a ingressar no mercado de trabalho? O Brasil vai ser um país mais justo no momento que começarmos a anunciar que temos X milhões a menos de beneficiários no Bolsa Família, pois estes encontraram um emprego.
CC: O Brasil precisa de um ajuste fiscal?
AN: Precisa. O País perdeu enorme credibilidade no manuseio de seus números fiscais. Não há hoje segurança sobre qual é efetivamente o superávit primário, as contas correntes, a dívida bruta. Tivemos neste ano um aumento de gasto corrente de 93 bilhões de reais e um aumento do investimento público federal de menos de 2 bilhões de reais. Há um desacerto. Mas, obviamente, isso tem de ser feito com serenidade, pois temos programas sociais que não podem ser extintos de uma hora para outra. O que tenho de visão contrária ao governo é, por exemplo, nessas desonerações pontuais. As desonerações feitas de forma horizontal para toda a economia podem surtir efeito, mas essas desonerações setoriais se mostraram ineficazes.
CC: Em dez anos, a dívida líquida caiu de 60% para 35%, a bruta de 70% para 60% e a taxa Selic, que influencia o tamanho da dívida, caiu de 25% para 10%. Onde está o desarranjo fiscal?
AN: Ele é claríssimo. E querer comparar realidades de momento em circunstâncias tão diferentes da vida nacional é cometer equívocos. Temos de ser intelectualmente honestos para podermos avaliar cada governo em suas circunstâncias. O aumento da dívida bruta é preocupante e é ela que tem financiado esses aportes no BNDES. Colocamos um esqueleto no armário. A maquiagem fiscai é uma realidade e isso traz como primeiro impacto a ausência de investimentos. O Brasil apostou durante todo esse período pós-crise no crescimento via consumo, com oferta de crédito. Era a alternativa naquele momento. Mas não podia ser tratado como uma medida permanente. Hoje, 65% das famílias estão endividadas. Era hora de criar um ambiente estável para os investimentos que pudessem compensar, no crescimento da economia, a perda da ânsia consumidora. E isso não aconteceu. O Brasil, felizmente, não vive uma crise gravíssima, mas vive uma crise de confiança. Seu agravamento, com a manipulação dos dados fiscais, fez com que o País, que há dez anos se destacava entre os emergentes, fosse para o fim da fila.
CC: O mensalão do PSDB em Minas pode ser julgado em 2014. Diante disso, dá para explorar eleitoralmente o mensalão do PT?
AN: Espero que todos sejam julgados, que se conclua a votação do mensalão que envolve representantes do PT e que se julgue esse processo em relação a Minas Gerais. São coisas diferentes e isso vai ficar claro. Como presidente nacional do PSDB tenho a obrigação de dizer: não prejulgaremos ninguém. Cada integrante do PSDB, e não é só do PSDB que está denunciado, tem o direito de se defender. E eles saberão se defender, tenho certeza. Mas, se houver a condenação, seja de alguém do PSDB ou próximo, não os transformaremos em presos políticos. Não passaremos a mão na cabeça de ninguém. Se alguém cometeu algum delito, alguma irregularidade, que responda por ela. Vou além: isso vale não só em relação ao mensalão mineiro, mas também às denúncias que ocorrem em São Paulo (o escândalo do trensalão, de propina e cartel em obras do metrô). O PSDB não transformará presos comuns em presos políticos. O Brasil não tem presos políticos, tem alguns políticos presos. Não me traz nenhuma alegria pesSoal ver o sofrimento destes, de suas famílias. Mas era preciso que esse processo tivesse um desfecho, como outros precisam ter. Essa politização que tenta fazer o PT não faz bem à democracia, e principalmente não faz bem ao próprio PT.