Por Raquel Campos*

Na movimentada Rua Maximiliano Fernandes, perto da esquina da Praça Barão do Rio Branco, no centro de Vitória da Conquista, chama a atenção de quem passa apressado um tranquilo grupo de homens da terceira idade, que fica sentado, conversando à sombra, diariamente, desde as 8 horas da manhã. É a turma conhecida como “Senadinho”.

Seu Ernani Fonseca, de 63 anos, conta que os encontros começaram ali naturalmente e perpassam gerações. Ele confessa que não lembra o nome de todos. “Nós somos quase parentes, vi todo mundo aqui envelhecer”, diz, se comparando aos amigos e se achando um menino.

Passado

Sempre com uma pasta debaixo do braço, outro frequentador, Juracy Gralha, 81 anos, gosta de falar sobre o seu passado e compartilhar experiências: “Hoje você está sentada no banco da ciência, lendo, mas depois de formada, minha amiga, é outra coisa; você vai lidar com gente pobre”, avisa. Vereador pelo MDB (hoje PMDB) na década de 70, lamenta a época em que nesse cargo político “não ganhava nada” e questiona o propósito dos edis de hoje: “Não existe mais vereador, existe vagabundo”.

Católico praticante

Um homem de 84 anos, sentado mais afastado, é indiferente ao bate-papo à sua volta, pelo fato de que já se foram todos os crentes do grupo e com os outros não há conversa. “Tem esse aqui, Chico, que me disse que é um católico praticante, mas não entrou nada na minha cabeça. O que não se prova, não é verdade”, diz com firmeza, sem dizer o próprio nome. Sempre evocando frases da Bíblia, ele se lembra das inúmeras profissões que teve ao longo da vida: “Se eu te falar por onde eu já andei, é inacreditável”.

Natural de Vitória da Conquista, ele se mudou para Itapetinga para trabalhar com laticínios e seu último emprego foi de laminador. “Ele é amigo nosso, só que é isolado, porque é evangélico”, comenta Gralha sobre o religioso.

De longe se escuta Ubiratan Sampaio, o “Bira”, 64 anos, ex-soldado da Polícia Militar: “Você sabe quantos milhões de pessoas a Rússia perdeu naquela II Guerra Mundial? Perdeu 25 milhões de pessoas, 25 milhões de russos!”.

Política é o assunto preferido dele. Enquanto discursa, poucos o interrompem porque sabem que isso o irrita. Sabendo sobre História, ele narra fatos que aconteceram há décadas com todos os detalhes: “Gregório (Fortunato) era um vaqueiro. Foi ele e Benjamin, irmão do Getúlio (Vargas), que arquitetaram o assassinato de Carlos Lacerda no Rio de Janeiro. Eles contrataram um pistoleiro com o nome de Alcino para matar Lacerda”, conta.

“O pistoleiro chegou à Rua Toneleros, errou o tiro e atingiu o major Vaz. Lacerda, que foi jornalista e governador do Rio de Janeiro, tomou um tiro na perna. O major tomou um tiro fatal e morreu”, narra Bira com orgulho por saber da história e poder contá-la em detalhes.

Ubiratan diz que ali se discute todo o tipo de assunto e que, de vez em quando, ele “extrapola”, mas que quer bem a todos: “Tanto que quando um deixa de vir, a gente sente falta. Aqui também é um lugar de terapia, onde a gente interage. Um aprende com o outro”.

O único que interrompe Ubiratan no seu monólogo e às vezes discorda de suas opiniões é o fazendeiro aposentado Íris José, de 65 anos. Irônico e com a voz rouca, comenta as ideias conservadoras que o amigo expõe.

Rachel de Queiroz

“Soldado só sabe marchar; militar tem é que estar no quartel!”, defende para logo em seguida amenizar, qualificando o colega de “gente boa”. Frequentemente Íris cumprimenta quem passa e, pensativo, se lembra do tempo em que lia Rachel de Queiroz.

“Eu tinha um monte de livros dela, gostava muito. Ela foi da Academia Brasileira de Letras, era retada”, opina.

Conselheiro 

Hélio Silveira é outro ex-vereador que, assim como Gralha, queixa-se de não ter sido remunerado: “Foi a época em que mais sofri, pois não ganhava nem para engraxar o sapato. Hoje é melhor ser vereador do que deputado estadual”, garante. Ele foi presidente da Câmara dos Vereadores de Conquista no governo de Jadiel Matos, começo da década de 70, e considera desordenado e injusto o salário dos políticos.

Ao lado, Bira ouve a conversa e se revolta: “Sabe pra quê a Câmara de Vereadores serve para mim? Eu vou lá agora tomar uma água gelada, um cafezinho e fazer uma necessidade fisiológica; não me serve para nada!”. Íris complementa, sempre quebrando a tensão: “De lá, você pega uma cerveja”.

O mais idoso do grupo, Argemiro Baiano, 89, apelidado de Nenê, é também o mais querido. “Ele tem uma história aqui e é, inclusive, um grande historiador. Da década de 30 pra cá, todos os fatos que ocorreram na região de Conquista ele sabe”, conta Bira. Juracy confirma: “Ele é o nosso presidente, amigo e orientador”.

Quieto e bem-humorado, Nenê é considerado o conselheiro da turma, mas alterna seu tempo entre Vitória da Conquista e Salvador: “Desde que eu nasci eu frequento essa praça, mas hoje fico uma semana no Porto da Barra e outra aqui. Vou gastar meu dinheiro em Salvador e no Rio de Janeiro, mas adoro Conquista, foi onde eu vivi minha juventude”, diz o pecuarista.

Às 11 horas o grupo se dispersa, mas vai se encontrar novamente às 13 horas; dessa vez, em frente ao Banco do Nordeste, para onde a sombra se desloca, na mesma praça. E, novamente, as histórias serão relembradas pelo velho grupo de amigos, enquanto curiosos passam interessados e seguem seu caminho.

*Estudante do curso de Jornalismo da Uesb. Matéria publicada no jornal-laboratório Oficina de Notícias, edição 37 (Nov. de 2013).

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