Jorge Melquisedeque

Vitória da Conquista, 02 de novembro de 2012.

Caro e eterno amigo JORGE LUÍS MELQUISEDEQUE DA SILVA,

Depois de amanhã, 04 de novembro, se completará mais um ciclo de 365 dias de “sua tragédia” e sua saída de entre nós continuará sendo perenemente algo que nos tempos atuais se torna mero extrato de realidade incrustada em nosso seio e que “somos forçados” a aceita-la como algo determinado e imutável.

Completa-se 11 anos de sua tirada de cena, mas, para mim e muitas outras pessoas, você continua a ser o grande artista do palco de nossas vidas.

Durante esses 11 anos a vida continuou com sua evolução permanente – parecendo até mesmo um processo de revolução (?) -, destacando-se que em sua cidade querida, Vitória da Conquista, a dinâmica do cerne da vida se acelerou em todos os seus aspectos, principalmente, tanto sobre o prisma dos avanços capitalistas, como, também, sobre o primado da miserabilidade social, dicotomia essa que você, se aqui ainda estivesse, com certeza saberia como enquadrá-la, além da análise sociológica, como uma realidade plena de obra de arte, atinando-as em todas suas contradições, e você, como ninguém, sempre tinhas um olhar para tudo e todos como “celeiro de cultura”, com certeza nós que convivíamos contigo, estaríamos mais seguros e plenamente maduros na seara da vida. Mas sua ausência, caro e eterno amigo, evocará sempre para nós, mesmo na certeza de que a vida segue seu curso normal dando-nos bel prazer, a certeza de que utopias nunca deixarão de serem retalhos da vida a serem costurados, principalmente para quem, assim como você sempre almejou, busca construir a paz e a fraternidade entre todos e todas.

Caro e eterno amigo JORGE, procuro, desde a sua extraída brusca de nosso meio, sempre no 4 de novembro – para muitos e muitas o 11 de setembro é mais exequível – tentar fazer ecoar com brado forte o grito que sempre trago latente em meu peito: QUE A JUSTIÇA SEJA FEITA E QUE SUA MORTE NÃO SEJA SOMENTE ALGO QUE ACONTECEU E QUE FAÇA PARTE DAS TRAGÉDIAS QUE VIVENCIAMOS E QUE DEVEMOS MERAMENTE ACEITAR COMO REALIDADE DA VIDA QUE HOJE VIVENCIAMOS E QUE SE TORNA IRRETOCÁVEL!!!(???)…

Tanto antes de sua triste partida, como, muito mais, depois dela, muitas outras vidas foram bruscamente, não só aqui em sua amada terra, extirpadas desse mundo…mas, caro e eterno amigo, o que mais me assombra não são as formas cruéis e brutais – embora por parte de alguns setores midiáticos e, também, graças a nossa bestialidade humana, essas tragédias são nos colocada como algo que devemos somente assistir, por puro deleite de audiência – dessas vidas tiradas, mas sim as nossas aversões e acomodações perante essas (ir)realidades. É claro que muitas vezes, in loco, nos tornamos solidários, chegando mesmo até em momentos coletivos nos levantarmos em prol de que a paz reine entre nós, mas, com o passar do tempo, deixando somente para quem vivencia de perto essas realidades, acabamos, por causa de nossa vida cômoda e graças a quem nos governa que nos garante termos tudo – carros, viagens, moradias, dentre outros usufrutos, se tornaram sintomas de ser algo cada dia mais alcançável, pois o Brasil se tornou o paraíso -, aceitarmos, principalmente a violência exacerbada, como algo normal e graças aos nossos “aparatos de auto-defesa”, encastelados principalmente pelo suporte tecnológico que hoje nos assola, de que mesmo com todas as mortes – aqui em Conquista é raro não ficarmos uma semana sem pelo ser-nos noticiado, em média, uns cinco a seis assassinatos, sendo a maioria dessas mortes de jovens -, devemos ir em frente, pois a vida, mesmo com a violência cotidiana, segue seu curso… E assim a nossa racionalidade humana se materializa…

E é assim caro e eterno amigo JORGE, que, nós que aqui ficamos, continuamos a tocar nosso barco, mesmo sabendo da deriva, acreditamos que as tempestades passam, embora para muitos e muitas a demora seja mais longa e as conseqüências mais marcantes, mas, como o viver é de uma eterna aparência de bem-estar, e por imposição de uma minoria que tudo bem, a troco das tragédias de milhares, nos sentimos no dever de nos ocultarmos da plena sublimidade do viver – onde poderíamos pleitear a junção de que todos e todas deveriam ter vida plena e fraterna -, para demonstrarmos que aceitamos esse status quo, e que cada um tenha a vida que mereça, ou seja, nos resignamos nesse lema; QUEM TÁ DE BEM COM A VIDA SEJA FELIZ, QUEM NÃO ESTÁ QUE SE RESIGNE A DEUS, AMÉM!

Não antevendo perspectivas de mudanças, nos próximos 365 dias que seguirão após esse 4 de novembro de 2012, ficando na quase certeza absoluta de que no meu próximo escrever a você em 4 de novembro de 2013, a sua justiça ainda continuará a ser um mero grito a ecoar e que a violência nossa de cada dia estará mais ainda assolada, pois assim é que nos é ditado a estigmatização do nosso viver cotidiano, aqui acabo, mais uma vez, a despedir-me de você meu caro e eterno amigo JORGE, deixando-lhe o meu total apreço e pelo seu exemplo, pelo pouco tempo de nossa convivência aqui nesse mundo – e que creio que logo mais na eternidade seremos perenes -, fica-me a certeza de que, mesmo com todas as intempéries, ainda, assim como voce ousava ser sintomático nesse prisma, que um dia conseguiremos nos irmanar, de fato e de direito, mesmo que nos aparente ser tardio, mas ainda assim possível, onde violência seja uma mera figura de retórica e que o amor nos subsidie na nossa convivência humana.

Antecipei essa minha missiva a você, considerando que, também aqui na nossa Vitória da Conquista, hoje se faz memória da triste partida, 30 anos atrás – 02 de novembro de 1982, “atropelado” por um motorista inconsequente -, de um grande amigo e companheiro vosso e que também se tornou meu e de muitos e muitas: ZÉLIO PASSOS SOBRINHO – exaltando, também mesmo no lamento e na tristeza, que “sua tragédia” se insere na história do Brasil, pois, assim como a sua, nesse 02 de novembro de 2012 trazemos à lembrança a tragédia, há 43 anos, da morte de Carlos Marighela -, e por esse intuito de trazer a tona essa memória, por esse novamente meu manifesto de um dia que a justiça seja feita pela sua trágica morte, reforço a minha eterna amizade.

Fique em Deus e rogue por nós que aqui ficamos e esperamos. Paz e descanso eterno!

Na saudade, Helio da Silva Gusmão Filho – Helinho.

Comentários

Deixe um comentário