Por Elton Bezerra* 

Para o advogado José Luis Oliveira Lima, a cobertura do mensalão pela imprensa foi parcial, tendenciosa e sofrível; para a colunista Mônica Bergamo, a exposição na imprensa já é uma condenação dos réus; o repórter Fausto Macedo afirma que as acusações foram levantadas pela Polícia Federal em um governo petista, ratificadas pelo Ministério Público e turbinadas pela transmissão ao vivo das sessões pelo Supremo Tribunal Federal; o editor Bob Fernandes diz que os advogados foram emparedados, enquanto o professor de Direito Penal da USP Renato Silveira defende que nem todas as expectativas criadas pelas redações se confirmaram. Todos, porém, concordam que a imprensa teve um papel central no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão.

As opiniões foram dadas na manhã desta segunda-feira (11/11), na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, centro de São Paulo, em evento que buscou analisar até que ponto a imprensa influenciou no julgamento. Organizado pelo professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini, o encontro contou também com a participação de Raul Zocal, diretor do departamento jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto. Cerca de 80 pessoas estiveram presentes à Sala dos Estudantes para participar do debate, que continua nesta segunda-feira à noite.

“A cobertura feita pela imprensa no julgamento da Ação Penal 470 foi sofrível, para dizer o mínimo”, disse José Luís, advogado de José Dirceu no processo do mensalão. Na avaliação dele, a cobertura da Folha de S.Paulo foi a mais equilibrada da grande imprensa, uma vez que o jornal abriu espaço para a publicação de diversos artigos e entrevistas da defesa. Ele considerou o trabalho do Estadão mais comedido, com exceção das reportagens do jornalista Fausto Macedo. Sobre a Veja, pegou um pequeno gravador que estava na mesa e comparou: “Depois de anos de uma crítica feroz à defesa, decidiram dar espaço para as teses por nós defendidas, sendo o espaço para isso ínfimo, menor do que este gravador, só para constar”.

O advogado falou com indignação quando lembrou da aposta de uma garrafa de vinho feita entre os jornalistas Merval Pereira e Alberto Sardenberg quanto ao momento de prisão de José Dirceu. “Não é possível que isso vá melhorar ou acrescentar à cobertura da imprensa”, disse José Luís, que acrescentou: “todo juiz, todo promotor e todo jornalista deveria figurar como réu em uma Ação Penal para entender o que é o direito de defesa”.

Papel central
Para a jornalista Mônica Bergamo, dados o tamanho da Ação Penal e sua importância, o espaço nos jornais foi adequado. Ela reconheceu o peso da imprensa no processo. “A mídia teve um papel central no julgamento do mensalão”, afirmou.

A colunista disse que duas declarações que ela colheu dos ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa podem servir de orientação para o debate quanto à influência da mídia, além de já responderem à questão. “Houve de fato uma interferência. Isso nas palavras de dois ministros que foram os que mais condenaram, os mais rigorosos e que não têm nenhuma ligação com o Partido dos Trabalhadores”, disse Mônica, que citou as seguintes frases.

“Em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz”, disse o decano do STF à colunista pouco depois de decidir sobre o cabimento dos Embargos Infringente. Ele desempatou o julgamento, e garantiu o direito a um novo julgamento para os casos em que os réus obtiveram pelo menos quatro votos favoráveis.

Já a citação ao ministro Joaquim Barbosa, refere-se a uma entrevista concedida em agosto do ano passado, quando o presidente do STF afirmou que “a imprensa nunca deu bola para o mensalão mineiro”.

A jornalista disse que a questão da publicidade opressiva é delicada e complexa, já que envolve dois direitos considerados fundamentais pela Constituição: a liberdade de expressão e o direito a um julgamento justo. “A grande cobertura da mídia já acaba sendo, de cara, uma pena adicional ao réu, ainda que ele seja inocentado no final”, disse.

A colunista aventou como uma possível solução para o dilema a adoção de regras previstas em países como a Suíça, onde enquanto não houver condenação, a imprensa não pode divulgar o nome do réu. Ela reconhece, porém, que isso é muito difícil ser implementado no Brasil, já que saímos recentemente de uma ditadura que pretendia inserir esse conceito no Código Penal.

Investigação da PF
Responsável pela cobertura do Judiciário no jornal O Estado de S. Paulo, o repórter Fausto Macedo disse que a imprensa apenas reproduziu as acusações levantadas por órgãos públicos. “O mensalão foi produto de um inquérito da Polícia Federal, órgão público vinculado ao Ministério da Justiça e ela fez a investigação no governo do PT”, afirmou. “A mídia não está no banco dos réus”, acrescentou. “O que a mídia publica, às vezes com uma dosagem mais elevada, são os esculachos que se tornaram a administração pública nesse país”.

Ele considerou a transmissão dos julgamentos pela TV Justiça como fator importante para “turbinar” a cobertura. “Se houve alguma espetacularização do julgamento é porque foi transmitido ao vivo”. Entusiasta das transmissões, Macedo defende inclusive que as reuniões do Executivo sejam cobertas pela TV. “Quanto mais transmissão ao vivo melhor”.

Diretor do Centro Acadêmico XI de Agosto, Raul Zocal contou que o julgamento dos Embargos Infringentes foi acompanhado, inclusive pelos estudantes de Direito, como uma partida de futebol: “Íamos acompanhando como uma final de Liga dos Campeões”.

Editor do Terra Magazine, Bob Fernandes afirmou que a imprensa tentou “emparedar” não apenas os ministros como também os defensores dos réus. “Muito antes de tentar emparedar o Celso de Mello ou o Lewandowski, houve um inacreditável emparedamento dos advogados”, afirmou. Ele disse que não se surpreendeu com a cobertura do processo do mensalão. “É assim que a imprensa brasileira se move. Ela tem seus hábitos e interesses.” Em sua opinião, a exemplo do que os ingleses fizeram com após os grampos do jornal News of the World, de Rupert Murdoch, a imprensa deveria refletir sobre suas atitudes.

Cabeça de magistrado
Para o professor de Direito Penal da USP Renato Silveira não é possível afirmar que um juiz seja influenciado pela imprensa, já que no próprio julgamento do mensalão algumas expectativas das redações não se confirmaram. “Queriam que os ministros se dessem por impedidos, não se deram. Queriam que não houvesse a aceitação dos embargos, e houve. Queriam que o processo fosse rápido, e não foi.”

Para Silveira, apesar de estudos apontarem para uma possibilidade de o juiz ser influenciado em suas decisões, ele acredita que isso ocorre em uma medida menor do que se imagina.

“Talvez o grande responsável por absolvições e condenações não venha a ser nem a mídia nem o Judiciário, mas o Legislativo, que modifica um conceito jurídico”, disse ele ao se referir ao conceito de quadrilha ou bando. O artigo 288 do Código Penal foi modificado pela Lei 12.850, que, segundo especialistas, facilita o enquadramento no crime.

Ele disse considerar “sedutora” a legislação suíça, que preserva o nome dos envolvidos em ações penais. “[Talvez] não devesse ter um julgamento ao vivo e a cores, mas que isso se desse com um certo delay. Já se pouparia tantas e quantas pessoas”, disse. Ele, entretanto, considera a TV Justiça um “caminho sem volta”, e defende que as faculdades de Direito auxiliem os jornalistas em trabalhos delicados como o processo do mensalão.

No banco dos réus
Da plateia, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, declarou-se contrário à transmissão de julgamentos de Ações Penais. “Acho um absurdo, acho um retrocesso.” Segundo ele, um julgamento penal é um processo à parte

Para o advogado, a imprensa é hoje objeto de debate em todo o país. “A mídia, está, sim, no banco dos réus, mas ninguém publica. O que se discute hoje é mídia opressiva”, afirmou. Kakay foi advogado de Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, absolvidos na AP 470 e que até hoje são chamados de mensaleiros.

*Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2013.

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