Durante o conflito entre manifestantes e polícia no Rio de Janeiro na última quinta, 6, o cinegrafista da Band, Santiago Andrade, foi atingido na cabeça por um rojão acesso por um dos manifestantes. Santiago sofreu afundamento do crânio e foi submetido a uma cirurgia após ser levado para o Hospital Souza Aguiar. Ele ficou em coma induzido no CTI da unidade, mas não resistiu e teve morte cerebral nesta segunda-feira (10).
Em editoriais e cartas de pesar, veículos e profissionais da imprensa se manifestaram exigindo a punição dos envolvidos. Confira abaixo o que publicaram o jornal Folha de São Paulo, as Organizações Globo, o Estadão, a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e a Associação Nacional de Jornais .
Triste e injustificável (Folha de São Paulo)
O assassinato –esta é a palavra– do repórter cinematográfico Santiago Andrade, 49, é uma tragédia individual e social. Têm a lamentar não só seus parentes e amigos, mas também todos os que apostavam num país melhor depois das manifestações de junho.
Atingido por um rojão enquanto acompanhava, por dever de ofício, um protesto no Rio de Janeiro na semana passada, o jornalista da TV Bandeirantes teve sua morte cerebral decretada ontem. Foi vítima de uma violência irracional que se repete há meses sem que o Estado ofereça resposta adequada.
A esta altura deveria estar claro para os comandos policiais –pois já o está para quase toda a sociedade– que há dois tipos bem distintos de pessoas que tomam as ruas para revelar seu inconformismo.
De um lado estão os cidadãos dispostos a protestar dentro do vasto espaço que a democracia oferece e assegura para esse fim. Estes devem ser tratados como manifestantes. Merecem ser ouvidos e, quando desejável e possível, atendidos.
De outro estão os indivíduos predispostos ao vandalismo, ao quebra-quebra, à selvageria. Quando agem dessa forma, são criminosos, e precisam ser tratados como tais. Desfaça-se a falácia: não há, na vigência de um Estado democrático de Direito, causa que legitime o emprego da violência.
Identificar, julgar e punir autor e cúmplices do disparo que matou Andrade é tarefa urgente para evitar danos ainda mais graves. Com desenvoltura incontida, esses delinquentes têm transformado atos pacíficos em campos de batalha, ameaçando a segurança de quem está por perto e minando importantes pilares da democracia.
Um deles é a própria legitimidade das manifestações. Como mostrou pesquisa feita pelo instituto Datafolha no final do ano passado, de julho a outubro quadruplicou o percentual de paulistanos contrários aos protestos, passando de 8% para 31%. De resto, é notório que cada vez mais brasileiros evitam participar de tais encontros.
O outro é a liberdade de imprensa. A morte de Santiago Andrade é, por óbvio, o episódio mais lamentável, mas, considerando a ação policial e a de manifestantes, foram registrados, desde junho, inaceitáveis 117 casos de agressão, hostilidade ou detenção de jornalistas.
Um mínimo de conhecimento de história basta para que tais sinais sejam lidos com grande preocupação. Há inúmeros e nefastos exemplos do que acontece quando se abandonam os canais institucionais para resolução de conflitos.
Se não quiserem ser cúmplices de tragédia de maiores proporções, partidos políticos e movimentos sociais que ainda defendiam o indefensável precisam condenar com clareza essa violência. Há uma mudança em curso no Brasil, mas já não está claro se o país sairá desse processo melhor do que entrou.
Editorial da Globo
Não é só a imprensa que está de luto com a morte do nosso colega da TV Bandeirantes Santiago Andrade. É a sociedade.
Jornalistas não são pessoas especiais, não são melhores nem piores do que os outros profissionais. Mas é essencial, numa democracia, um jornalismo profissional, que busque sempre a isenção e a correção para informar o cidadão sobre o que está acontecendo. E o cidadão, informado de maneira ampla e plural, escolha o caminho que quer seguir. Sem cidadãos informados não existe democracia.
Desde as primeiras grandes manifestações de junho, que reuniram milhões de cidadãos pacificamente no Brasil todo, grupos minoritários acrescentaram a elas o ingrediente desastroso da violência. E a cada nova manifestação, passaram a hostilizar jornalistas profissionais.
Foi uma atitude autoritária, porque atacou a liberdade de expressão; e foi uma atitude suicida, porque sem os jornalistas profissionais, a nação não tem como tomar conhecimento amplo das manifestações que promove.
Também a polícia errou – e muitas vezes. Em algumas, se excedeu de uma forma inaceitável contra os manifestantes; em outras, simplesmente decidiu se omitir. E, em todos esses casos, a imprensa denunciou. Ou o excesso ou a omissão.
A violência é condenável sempre, venha de onde vier. Ela pode atingir um manifestante, um policial, um cidadão que está na rua e que não tem nada tem a ver com a manifestação. E pode atingir os jornalistas, que são os olhos e os ouvidos da sociedade. Toda vez que isso acontece, a sociedade perde, porque a violência resulta num cerceamento à liberdade de imprensa.
Como um jornalista pode colher e divulgar as informações quando se vê entre paus e pedras e rojões de um lado, e bombas de efeito moral e bala de borracha de outro?
Os brasileiros têm o direito de se manifestar, sem violência, quando quiserem, contra isso ou a favor daquilo. E o jornalismo profissional vai estar lá – sem tomar posição a favor de lado nenhum.
Exatamente como o nosso colega Santiago Andrade estava fazendo na quinta-feira passada. Ele não estava ali protestando, nem combatendo o protesto. Ele estava trabalhando, para que os brasileiros fossem informados da manifestação contra o aumento das passagens de ônibus e pudessem formar, com suas próprias cabeças, uma opinião sobre o assunto.
Mas a violência o feriu de morte aos 49 anos, no auge da experiência, cumprindo o dever profissional.
O que se espera, agora, é que essa morte absurda leve racionalidade aos que contaminam as manifestações com a violência. A violência tira a vida de pessoas, machuca pessoas inocentes e impede o trabalho jornalístico, que é essencial – nós repetimos – essencial numa democracia.
A Rede Globo se solidariza com a família de Santiago, lamenta a sua morte, e se junta a todos que exigem que os culpados sejam identificados, exemplarmente punidos. E que a polícia investigue se, por trás da violência, existe algo mais do que a pura irracionalidade.
Bandidos é o que eles são (Estado de São Paulo)
Os poucos que ainda se iludiam com os black blocs – por ingenuidade ou recusa teimosa de abrir os olhos para a realidade, sabe-se lá por que – agora não têm mais desculpa. O artefato explosivo que atingiu na cabeça e matou o cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, lançado por dois integrantes desse grupo, durante manifestação no Rio de Janeiro contra o aumento da tarifa de ônibus, na última quinta-feira, é a trágica demonstração de que os black blocs não passam de perigosos delinquentes que se disfarçam de adeptos de um vago e confuso anarquismo.
As cenas gravadas por amadores – e a mais reveladora delas por uma rede de televisão russa – documentaram com precisão o ataque covarde de que foi vítima Santiago Andrade, que estava ali fazendo o seu trabalho. Além de correrem o mundo, mostrando a verdadeira face dos vândalos que se apropriaram das manifestações de protesto, elas permitiram à polícia carioca obter dados importantes sobre os dois criminosos.
Um deles, o tatuador Fábio Raposo, de 22 anos – que já tem duas passagens pela polícia -, se entregou na madrugada de sábado. Ele sabia que, por ser mais facilmente identificável que seu cúmplice pelas posições em que foi filmado durante o ato criminoso, logo seria localizado e preso. Sua versão de que apenas entregou o artefato explosivo – sem saber exatamente do que se tratava – a outra pessoa, filmada apenas de costas, que não conhecia e foi quem o acionou, foi considerada “no mínimo fantasiosa” pelo delegado da 17.ª DP, Maurício Luciano, encarregado da investigação do caso. Opinião compartilhada por peritos que analisaram as gravações.
Indiciado como coautor do crime de tentativa de homicídio qualificado com uso de explosivo – acusação que passa a ser de homicídio, depois da morte do cinegrafista, segunda-feira – e por crime de explosão, Raposo se deu conta de que não valia a pena tentar salvar a pele de seu cúmplice e decidiu colaborar com a polícia, pondo fim às versões destinadas a confundir as investigações. Seu advogado prometeu fornecer ao delegado Maurício Luciano a identidade de quem acendeu o pavio do artefato.
Com isso deve se fechar o círculo desse caso, típico do comportamento dos black blocs, cuja violência não tem como alvo apenas o patrimônio público e privado. Eles tratam com total indiferença e desprezo também a vida humana, como fica claro nas cenas em que utilizaram friamente aquele artefato, sabendo quais poderiam ser as suas consequências para quem fosse por ele atingido.
Desde que esse grupo – a essa altura, melhor seria dizer esse bando – se infiltrou nas manifestações iniciadas em junho passado e na prática passou a comandá-las, não faltaram advertências da polícia e das autoridades da área de segurança de vários Estados de que ele tinha de ser tratado de forma diferente, como criminoso que é. As cenas impressionantes, veiculadas pela televisão, dos atos de vandalismo sistematicamente praticados pelos black blocs durante as manifestações, que passaram por isso a não merecer esse nome – com depredação de prédios públicos, sinalização de trânsito, agências bancárias e revendedoras de carros -, sem falar no bloqueio de importantes vias, com reflexo no trânsito já caótico das grandes cidades, deveriam bastar para confirmar o alerta das autoridades.
A verdade é que, por receio de parecerem “repressivas” – mas não é elementar que o crime seja reprimido? – e se prejudicarem politicamente, nem elas se preocuparam seriamente em dar consequência prática à sua constatação, ou seja, tratar os black blocs e seus assemelhados como criminosos que agem em bando, como quadrilha. De político esses grupos nada têm. Não sabem sequer o que é o anarquismo que reivindicam. É pois como bandidos que devem ser tratados. Dar-lhes ares românticos de revoltados é pura irresponsabilidade, que só pode redundar em novos crimes.
A solidariedade que alguns black blocs foram prestar a Fábio Raposo, em frente à 17.ª DP, no Rio, apesar do grave crime por ele cometido, mostra que a arrogância desse bando não tem limites e que é preciso agir com urgência e rigor para colocá-lo na linha.
Da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos
Morreu hoje, no Hospital Municipal Souza Aguiar, o associado Santiago Ilídio de Andrade, 49 anos, casado, pai de quatro filhos, repórter cinematográfico, atingido na cabeça por um artefato pirotécnico aceso por um Black Bloc, durante a manifestação contra o aumento de passagens de ônibus no último dia 6, no Centro do Rio.
Santiago é mais uma vítima da irresponsabilidade das empresas jornalísticas, que se recusam a fornecer equipamentos de segurança, treinamento e estabelecer como regra primordial de segurança o impedimento do profissional trabalhar sozinho.
Nós, jornalistas de imagem, exigimos que as autoridades de segurança do Estado do Rio de Janeiro instaurem, imediatamente, uma investigação criminal para apurar quem defende, financia e presta assessoria jurídica a esse grupo de criminosos, hoje assassinos, intitulados “Black Blocs”, que agridem e matam jornalista e praticam uma série de atos de vandalismos contra o patrimônio público e privado.
O repórter cinematográfico Santiago Ilídio de Andrade é o terceiro jornalista morto durante o exercício profissional, pela violência que se banalizou no Rio de Janeiro. Até quando vamos ter que chorar e enterrar mais um companheiro?
Da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
O cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da Band, foi ferido na cabeça enquanto cobria a manifestação da noite dessa quinta-feira (6.fev.2014) na região central do Rio de Janeiro. O profissional foi encaminhado a um hospital e operado, mas seu estado de saúde é considerado grave. Imagens da agência O Globo registram o momento em que o cinegrafista foi atingido, aparentemente por um rojão disparado por um manifestante.
O profissional da Band é o quarto jornalista ferido em manifestações em 2014. No dia 25 de janeiro, dois jornalistas foram feridos em São Paulo: Sebastião Moreira, da Agência EFE, foi agredido por PMs; Paulo Alexandre, freelancer, apanhou de guardas civis metropolitanos. Nessa quinta, também no Rio de Janeiro, o repórter do UOL Gustavo Maia foi agredido por policiais militares.
A Abraji repudia ataques como esses a jornalistas. Em 2013, 114 profissionais foram feridos em todo o país durante a cobertura de protestos. É preocupante que 2014 comece com quatro casos confirmados de violência contra jornalistas. Se faz necessária uma apuração célere do ocorrido para que procedimentos sejam revistos e para que o Estado responsabilize quem atenta contra a liberdade de expressão, a liberdade de informação e a integridade do jornalista.
Da Associação Nacional de Jornais
A Associação Nacional de Jornais lamenta profundamente a morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade e manifesta solidariedade a seus familiares e companheiros de trabalho.
É alarmante a morte de um profissional de jornalismo no exercício de sua atividade, como decorrência de ato de violência em manifestação popular. Diversos profissionais de jornalismo já foram vítimas de violências nas manifestações que vêm ocorrendo no país desde junho do ano passado, em atos de manifestantes e também de policiais. A trágica morte de Santiago, segundo investigação policial, é consequência de comportamento criminoso, em total desprezo aos mais elementares princípios de cidadania e de respeito aos direitos humanos.
Além da apuração do crime e punição dos culpados, é urgente que as autoridades tomem providências para controlar a violência que vitima profissionais com a missão de informar a sociedade.
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Quem também se manifestou foi a Organização das Nações Unidas (ONU), através do representante para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Amerigo Incalcaterra, que condenou a morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade e solidarizou-se com seus familiares.
Incalcaterra mostrou preocupação pelas alegações de uso excessivo da força e de detenções arbitrárias de manifestantes e jornalistas por parte das forças policiais. Ele relembrou que o Estado brasileiro tem o dever de assegurar que suas forças policiais e de ordem respeitem em todo momento e circunstância os princípios de necessidade e proporcionalidade no uso da força, conforme os tratados e padrões internacionais de direitos humanos.
Além disso, o representante do ACNUDH instou as pessoas e grupos que se manifestam a não utilizar a violência, para que todas as partes possam estabelecer um diálogo construtivo e sustentável. “A violência, de maneira alguma, é o meio para reivindicar direitos”, ressaltou.