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O poeta, músico, instrumentista, cantor, ufólogo, astrônomo, dançarino, artista plástico e ambientalista André Cairo é acima de tudo um militante, o mais conhecido de Vitória da Conquista. Responsável pelo Movimento Contra a Morte Prematura, ele é um autodidata, pesquisador, curioso, estudioso e leitor de diversos temas e autores desde a sua infância, hoje sua principal tarefa é cobrar, fazendo isso, na maioria da vezes, provocando pelo método do questionamento. Em entrevista ao Conversa de Balcão, ele falou sobre música, assédio político-partidário, a criação de personagens para protestar e sobre as conquistas e a luta que enfrenta há 24 anos com o MCMP: “estou há 25 anos sem férias, saindo do trabalho para trabalhar”.

André Cairo é muita coisa, de ufólogo a dançarino, mas afinal é possível dizer quem é André Cairo?

André Cairo é um ser comum que faz coisas incomuns. Desde a minha infância eu me sentia uma pessoa diferente, principalmente depois de um acidente que me deixou com um traumatismo encéfalo-craniano e 19 pontos na cabeça, em que fiquei quatro dias em coma profundo, depois que recuperei a consciência percebi que algo mudou em minha vida. De lá para cá, nunca tive uma dor de cabeça, mas sou uma dor de cabeça para muita gente. Percebi que a minha precocidade em alguns aspectos era demais quando comecei a ler livros com 9-10 anos, que eram avançados para esta idade, na visão da época. Em minha infância fui despertado para o amor, o amor de Deus, de modo que passei a estudar sobre a questão sexológica natural. Tive minha primeira namorada com 8 anos e a primeira relação sexual aos 10. Aprendi muita coisa sobre a nossa vida sexual e em seguida não parei de ler, tanto que entre os 11 12 anos eu já conhecia obras de Jorge Amado, Graciliano Ramos e Antonie de Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe), e daí em diante comecei a me interessar por tudo que fosse interessante para transformar o mundo.

Essas suas leituras eram feitas fora da escola e sem a exigência dela, foi por  curiosidade?

Era uma questão de intuição, de percepção. Meu pai dava uma mesada aos cinco filhos, aquelas moedas, e eu tinha uma lata de leite Ninho onde eu juntava, quando estava cheia eu saia distribuindo, até como uma forma de conversar com as pessoas, deficientes, pobres, pedintes nas ruas, para saber porque que eles estavam ali e o que eu poderia fazer. E também fui professor na minha adolescência, nos meus 12-13 anos, ensinei a ler a muita gente, pessoas como empregadas domésticas e empregados que trabalhavam nas feiras, com uma escolinha dentro da minha casa.

E em que momento a música começou a fazer parte da sua vida?

Intuitivamente, eu descobri que eu dançava com a música “no tempo que eu só, que não tinha amor nenhum, meu coração batia mansinho, tum, tum, tum” e comecei a dançar e meu pai descobriu e ficou surpreso: “meu filho, você dança…” Depois surgiu uma gaita de boca que ganhei de presente e eu tentava tocar e nada. Um dia, um irmão me provocou, “você não toca coisa nenhuma”, ele me disse e isso me fustigou, eu falei “você quer ver, eu vou tocar…” Quando eu peguei a gaita, toquei Asa Branca, intuitivamente, toquei a música toda, foi um dom natural. Outro instrumento foi o violão, uma professora me ensinou duas notas apenas e eu ficava olhando as pessoas tocarem, olhava e fazia, fui desenvolvendo sozinho e até hoje eu toco sem saber uma nota na pauta. Hoje, tenho 327 músicas na cabeça, de estilos variados, tanto instrumentais como com letras cantadas. Eu canto, tenho banda (Jovem Guarda Show), faço o André Cairo in Concert, sou cover de Bon Dylan e também de Elvis Presley, canto outros cantores internacionais e também dos Beatles e considero isso um dom natural.

“No lugar onde eu moro, eu criei um local que se chama Caminhos de Santiago, foi Elomar que colocou esse nome porque ele ia lá”

FOTO-ANDRÉ-CAIRO-E-ELOMAR-FIGUEIRA

Eu vi uma foto em que você está tocando com Elomar em uma casa. Que momento foi aquele?

Ali foi em um aniversário de Clauto Mendes, ele é filho do ex-vereador Vivi Mendes e gosta muito de música. Ele é amigo de Elomar e também meu amigo, então me convidou para ir lá naquele final de semana e pediu que eu levasse o violão. Cheguei lá e tinha um monte de músicos, de repente o Elomar estava presente e começou aquela alegria. Num dado momento em que todos já tinham cantado e tocado, Elomar cantou algumas músicas dele e eu já tinha cantado os Beatles e ele dizia naquele jeitão dele: “rapaz, tu fica cantando música de Beatles (fala aportuguesado)” e eu disse: “Elomar, você precisa saber que os Beatles foi quem abriu a mente da juventude que bateu de frente com os governos”, aí ficou na brincadeira e, em um momento, eu falei: “gente, com licença, eu quero oferecer uma música a Elomar Figueira”, ele falou: “você não vai tocar música internacional, não…” Aí pedi para que todos fizessem silêncio e alertei que ela requer um cuidado para ouvir. Aí peguei o instrumento e comecei:  “Êêêê… boi encantado e aruá, ê boi, quem haverá de pegá, na mia vida de vaquêro vagabundo…” Aí ele me olhou espantado com aqueles olhos verdes e ficou impressionado. Eu improvisava no violão e ele foi acompanhando, da metade da música pra frente ele começou a cantar comigo e se emocionou, e eu vi Elomar chorar pela primeira vez neste dia, ele derramou lágrimas. Foi um momento marcante. Inclusive, no lugar onde eu moro, eu criei um local que se chama Caminhos de Santiago, foi Elomar que colocou esse nome porque ele ia lá, os artistas se reuniam lá, havia uma concentração muito grande ali a nível de arte.

Da música para a sua ação como militante. Como veio a ideia de criar o Movimento Contra a Morte Prematura?

Olha, o que me interessa é o que eu posso fazer pelo planeta. Eu nasci aqui em Conquista, mas sou do Brasil, agora me envergonho em ser conquistense e de ser brasileiro pela situação em que se encontra a cidade e o país. Em 1987, teve uma chuva torrencial em Vitória da Conquista, em que morreram seis pessoas afogadas na pracinha do Gil. Eu estava na rua, às quatro horas da tarde, vi que o céu se fechou e eu fui para casa sabendo que ia ser uma grande chuva. De lá eu assisti com olho clínico, foi um enorme barulho e da minha casa, um sobrado, eu via a escola Normal, e tinha uma árvore enorme, que por conta da violência da chuva, vi ela ser arrancada da raiz. De repente parou a chuva e eu fui examinar e fiquei horrorizado, nessa hora eu pensei: “não tem autoridade nessa cidade, não?”. Depois ouvi anunciar na rádio Clube de Conquista, que seis pessoas tinham morrido afogadas na pracinha do Gil. Fui à pracinha ver, vi um carro amarelo em que as pessoas estavam, a água chegou a um metro e vinte por aí e a velocidade da água era tão forte que o carro virou. Agora, porque tanta violência das águas? “Não tem escoamento não, é?” Eu já perguntava isso naquela época. No outro dia fui à prefeitura cobrar deles, daí pra frente comecei a ir sempre. Em 89 eu trabalhava na Cambuí Veículo, na Rio-Bahia, foi quando um voz, às dez da manhã, disse pra eu ir lá fora. Olhei para um lado, olhei para o outro e não vi de onde vinha a voz. Eu sai e vi um acidente com uma carreta em frente ao DNER, enquanto eu ia um homem de branco ia também, quando olhei para ele eu estranhei, quando cheguei próximo vi uma mulher deitada no chão mas só tinha metade do corpo, da cintura pra cima não tinha nada. Fui caminhando procurando a outra parte do corpo, olhando para o chão e nada, até que vi em um dos ganchos da carreta uma cena terrível, os cabelos mulher enrolados a muito sangue, miolos, os restos do corpo. Naquele momento que eu estava olhando, eu pensei não é possível que ninguém não vai fazer nada por isso aqui. Era acidente atrás de acidente. Eu de dentro da empresa, via de repente um pessoa passar voando na Rio-Bahia, era mais um atropelado, “o carro pegou aquela pessoa ali”, já pensavam lá de dentro. Depois teve um acidente com um rapaz numa bicicleta, subindo. Fiquei pensando sobre essas mortes antes do tempo e me veio à mente, são mortes prematuras… Aí criei o Movimento Contra a Morte Prematura. Mas, antes disso, eu deitei na Rio-Bahia. Cheguei e anunciei: “pessoal, vou deitar no meio da Rio-Bahia”. Aí, perguntaram: “você é doido, André?”, “eu vou deitar justamente porque não sou doido”, respondi. Fui, deitei e fiquei na minha. Aí vinha uma carreta azul lá do alto, o pessoal me avisando e eu lá deitado. A carreta freou e parou perto de mim, a uns dois metros.

A primeira campanha então do Movimento foi essa, pelo fim dos acidentes na Rio-Bahia?

Sim, mas ainda não era movimento. Depois dessa repercussão, de ter chamado atenção, colocamos 40 faixas nas ruas com frases de impacto: “carreta esmaga cabeça de senhora” “motoqueiro foi parar sem um braço dentro da valeta”, “veículo em alta velocidade atropela grávida”… Daí eu comecei a dar entrevistas sobre isso e, após uma semana de campanha, as autoridades gastaram uma migalha de dinheiro e colocaram os redutores de velocidade e ninguém morreu mais. Começou aí. Um mês, dois meses depois, as carretas passavam devagarzinho, com registro zero de morte.

Então antes de criar personagens, as faixas que ajudaram?

Comecei com as faixas e os ofícios, cobrando as autoridades, marcando reuniões, e protocolando tudo. Estive com todos os prefeitos de José Pedral Sampaio até chegar a Guilherme Menezes, tive a coragem de dizer ao ex-prefeito José Raimundo, por exemplo, que se ele não cumprisse o Estatuto da Cidade poderia pegar cinco anos de cadeia. Então as reações vieram com resultados: até hoje já são 237 conquistas do Movimento Contra a Morte Prematura. Entre elas, posso citar o Pinicão, que vai ser desativado com a construção de uma nova estação, que deve ser inaugurada em junho, segundo me informou o governador. Isso só veio depois que a Morte levantou a placa “Com tanta violência e tanta corrupção, mas com o fedor do Pinicão, nem a morte consegue ficar viva”, isso saiu na primeira capa do jornal A Tarde e na Globo News. Então, apoiado pela imprensa, porque como sempre disse, a imprensa acaba sendo o primeiro poder, comecei a ampliar o meu olhar clínico com relação a tudo que se referia a reduzir a longevidade humana. Comecei a trabalhar com deficientes, com ecologia e meio ambiente, solicitando o tombamento da Serra do Peri Peri e do Poço Escuro, com violência, segurança, drogas, AIDS, trânsito. O movimento foi crescendo… Conseguimos os semáforos, que a cidade não tinha, e mais recente, a Cicom, que é a Central Integrada de Comunicação. Nós descobrimos que Conquista tinha um grande número de pessoas com AIDS e ninguém falava sobre AIDS, fizemos uma campanha em contato com o GAPA em Salvador e quando a gente se preparava para invadir o Hospital Crescêncio Silveira, criaram o DST-AIDS. Conquista não tinha Defesa Civil, quando ligava para o número da Defesa Civil que tinha no catálogo telefônico, atendiam como vigilância epidemiológica, fui na prefeitura e não tinha mesmo a Defesa Civil, criada depois que pressionamos.

“Tenho mais de vinte anos cobrando o aeroporto”

Podemos listar algumas outras importantes conquistas?

Além do tombamento do Poço Escuro e da Serra do Peri Peri, da criação do DST-AIDS, dos semáforos e da Central Integrada de Comunicação, tem a nova estação de tratamento de esgoto, que vai substituir o Pinicão, a criação do Conselho de Segurança, a recuperação de uma cratera na avenida Luís Eduardo Magalhães, a construção do Anel Viário e da avenida Integração. Agora, lutamos pelos viadutos nos cruzamentos do Anel Viário, tanto que entramos no Ministério Público Federal contra a Via Bahia por conta das mortes que tem acontecidos nesses cruzamentos.

WAGNER/ CONQUISTA

Em que momento você começou a sair caracterizado?

Como eu sou artista plástico, pensei em criar uma coisa lúdica. As pessoas falam mal de Lampião, mas não estudam a vida dele, por exemplo, aí eu criei o personagem. Aí eu comecei a cobrar o aeroporto, e não é de agora não. Tenho mais de vinte anos cobrando o aeroporto porque eu tinha estudado o trâmite do Congresso Nacional, por que eu era “viciado” em escutar Voz do Brasil e era por que me interessava e o povo: “desliga isso, essa perda de tempo, vou assistir minha novela”… Em 1989, o candidato a deputado federal Raul Ferraz colocou lá a questão do projeto de Estatuto da Cidade, que em 2009 foi aprovado.

Qual foi o primeiro personagem?

Me parece que foi a Madame Jamorri. Ao todo são 52 personagens e fica até difícil dizer que existe um preferido, por que eles são extremamente úteis sem um ser melhor que o outro e não aceitam competição (risos). A Madame Jamorri talvez seja o que eu mais assim… por que se ela diz ao governador que com o fedro do Pinicão nem a morte sobrevive, pare para pensar. Diz ao prefeito de Conquista que a Lagoa das Bateias está contaminando as pessoas em volta e até ela está se sentindo mal, imagine os vivos… É como se ela se identificasse mais com morte prematura, porque ela já morreu.

“Na última campanha política me deram R$ 300 mil em dinheiro vivo para eu chegar na televisão e dizer vote em fulano de tal”

Você conta com ajuda de alguém para criar e manter os personagens?

Veja bem , até agora, eu gastei. do meu bolso, R$ 190 mil e existem algumas pessoas que esporadicamente me diz “André, eu queria ajudar você no seu trabalho” eu não pedi dinheiro e nunca pedi nada a ninguém nem chego a Câmara de Vereadores dizendo “vou fazer um projeto para vocês subsidiarem alguma coisa…”, nunca, e nem quero. Se, por acaso, alguém quiser doar espontaneamente eu aceito. Os personagens eu gasto do meu dinheiro e alguns eu confecciono outros não por causa do tempo. Eu estou há 25 anos sem tirar férias e saindo do trabalho para trabalhar. Agora, na última campanha política me deram R$ 300 mil em dinheiro vivo para eu chegar na televisão e dizer “vote em fulano de tal”, já foram N propostas pra eu entrar na política.

E você não é filiado em nenhum partido?

Nenhum. Eu não entro na política por que não está em mim e eu respeito meu interior. Eu sou um cosmopolita e meu trabalho está circulando o mundo. O que me interessa são as pessoas conscientes. Consciente é aquele homem que sai na rua, que enfrenta o perigo, que enfrenta os governos e que reage, não estou querendo dizer que eu sou o consciente, não é vanglorismo, é uma questão de valorização da minha existência. Na campanha política de 2008, fizeram uma pesquisa na Uesb em que meu nome aparecia em segundo lugar, depois de Guilherme Menezes, com Herzem em terceiro e Esmeraldino em quarto. “Rapaz, você tem que tentar um cargo”, me falou quem me comunicou sobre a pesquisa. Eu disse que era filiado ao PJC (Partido de Jesus Cristo). Um outro disse: “é bom você não entrar nisso não se não você vai se corromper”. Eu olhei para ele e disse: “eu vou te processar, isso é um crime de calúnia e difamação”, aí veio me pedir desculpas, dizendo que se expressou errado e eu o perdoei. Outro me perguntou: “e se você fosse prefeito o que você faria?”. A primeira coisa que eu ia fazer era arrumar a casa, a segunda era mostrar que quem manda na prefeitura sou eu, terceiro, quem escolhe o secretariado também sou eu, quarto, é proibido mentir, quinto, quero todos os projetos cumpridos porque eu sou autoridade máxima. E dentro da prefeitura eu colocaria, em letras douradas: “ser prefeito não é difícil, difícil é ser perfeito, mas isto é possível”.

Por conta da sua atuação, você já foi perseguido ou sofreu algum tipo de repressão?

Qualquer pessoa que defende a vida acaba incomodando muita gente. Já recebi algumas ameaças, mas essas pessoas hoje são minhas amigas por que viram que elas que estavam erradas. A questão é a seguinte, eu não estou fazendo nada errado, se for aprofundar , sem querer ser o dono da verdade, mas me mostre que eu estou errado para eu poder concertar. Se eu tivesse errado, a imprensa me daria esse apoio? Existem três poderes constituídos, mas o quarto poder, que é a imprensa, acaba sendo o mais importante.

Você tem medo de morrer?

Não. Temer a morte é muito relativo. Eu tenho que fazer valer a importância da minha existência, eu não sou um homem só, o que eu tenho são bilhões de pessoas ao nosso redor. Eu tenho uma visão diferenciada do caminho do mal, a nível sócio-cultural e sócio-econômico. Veja só, a economia é importante, desde que haja ética, moral e a manutenção dos bons costumes. O problema da morte é o medo da dor.

Quais seriam seus três pedidos ao gênio se encontrasse uma lâmpada mágica?

Primeiro: abrir a mente dos nossos bilhões de habitantes e fazer com que todos utilizassem de sua totalidade a lógica e a razão; segundo: fazer uma viagem inter-estrelas para conhecer todas as galáxias do Universo; terceiro: ficar de frente a frente com dois seres, Deus e o outro, para saber que o poder do bem é superior ao do mal. Aqui na Terra existe o antagonismo, mas vai depender de quem para você separar o joio do trigo? Do raciocínio, que vai depender da mente interior que fala através da intuição e da inteligência.

Qual declaração que você poderia deixar para encerrarmos?

Deixarei um testemunho: certa noite eu acordei e com meus olhos direcionados à Bíblia, que fica na minha cabeceira, eu a abri aleatoriamente e meus olhos foram direcionados para Eclesiastes capítulo 7, versículo 17, e não acreditei quando li: “nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo? “. Eu tomei aquele susto e pensei: “Meu Deus, isso é morte prematura”.

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