Na véspera do início da décima sétima edição do Natal da Cidade, evento promovido pela prefeitura de Vitória da Conquista, o secretário municipal de cultura, Gildelson Felício, recebeu o Conversa de Balcão para falar sobre o evento. Gildelson está à frente da pasta desde 2005, mas ele começou a militar pela cultura quando atuava dentro do movimento estudantil, na década de 1980. Na entrevista, ele ainda fala sobre políticas públicas, participação popular e também sobre as queixas e as críticas de quem se opõe à sua gestão.

Como surgiu a ideia do Natal da Cidade?

O Natal da Cidade foi idealizado pelo prefeito Guilherme Menezes em 1997. Começou como um evento relativamente pequeno, mas com um conceito bem definido: resgatar os grupos de ternos de reis da cidade, iluminar a praça Tancredo Neves que estava às escuras e valorizar o artista de Vitória da Conquista, com esse foco foi convidado a maior expressão da música conquistense, que é o Elomar Figueira de Melo, que veio a dividir o palco com outros artistas de Conquista. De lá para cá o evento passou por algumas transformações sem perder a identidade e o conceito, que é manter a valorização dos ternos e dos artistas locais ampliando para uma celebração cultural que envolve várias manifestações artísticas.

Essa multilinguagem artística que fez do evento uma grande atração para a cidade e uma referência para a região?

Sim, pois antes de se falar da grade principal, temos a parte teatral, com o Auto de Natal, apresentações de dança, a parte de artesanato fortemente representada pela economia solidária no entorno das praças, movimentando o comércio informal também, além dos artesãos e artistas plásticos que disputam o concurso de minipresépios e também a valorização das artes plásticas por meio de uma cenografia especial, montada com o Memorial do Reisado, com a concepção de resgatar, por meio de um trabalho de pesquisa, elementos da cultura popular, sempre homenageando alguém, que nessa edição será o grande artista plástico J. Murilo, que era erradicado aqui e infelizmente nos deixou nesse ano. Então, o evento é hoje uma referência para a Bahia e o Brasil por essa diversidade. Independente dos futuros prefeitos, eu acho que o Natal da Cidade tem que ser mantido, é um evento que a cidade abrigou e que deveria ser institucionalizado, pois já é um patrimônio do município de Vitória da Conquista.

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Sobre as principais atrações musicais, como são escolhidas?

Uma grade como essa não sai apenas da cabeça do secretário, dos colaboradores ou do próprio prefeito. É claro que damos sugestões, mas é fruto de indicações da população. Quando eu estou no evento, por exemplo, eu ouço: ‘traz fulano no ano que vem’. E as pessoas enviam e-mail, torpedo, ligam para o prefeito e a gente vai compondo uma grade a partir de um conceito: quais são os músicos da MPB que convergem com o perfil do Natal, quais os músicos instrumentistas que combinam com o Natal da Cidade, pra gente não perder essa identidade de um evento que traz a boa música, os grandes compositores, músicos e intérpretes e nesse sentido temos um elenco de artistas que a gente compõe uma lista e vamos fazendo o contato que não é uma verificação tão simples, temos que verificar se o cachê está compatível com nossa possibilidade, verificar as datas, a logística de passagem aérea, pois já teve artista que estava tudo certo, mas por conta da passagem aérea ficava desconfortável para ele cumprir agenda no outro dia em outro lugar. Então, os bastidores é algo complicado, e a gente passa por isso por quase três meses. Essa grade não é feita em 10, 15 dias, as discussões já começam assim que passa o São João. Temos sempre a preocupação de montar uma grade que possa agradar os diversos estilos musicais, todos de bom gosto. Nesse ano nós estamos tendo o privilégio de ter aqui o Milton Nascimento, tínhamos ele como algo inacessível por ele não ser um artista que faz shows de qualquer jeito e um atrás do outro. Conquista nunca recebeu na sua história um artista do quilate do Milton Nascimento e temos o privilégio de recebê-lo em praça pública enquanto as pessoas pagam em grandes teatros em torno de R$ 200, R$ 400, para assistir a um show de Milton, que é uma das grandes expressões vivas da música nacional como artista completo, que é um grande intérprete, multi-instrumentista, arranjador e compositor.

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E a seleção das atrações locais, como funciona?

A gente tem uma dificuldade porque aqui tem um elenco de artistas consagrados que já poderiam ser convidados, mas, como poder público, reconhecemos que a atitude mais democrática e transparente é o edital. A gente pede então que os artistas apresentem um projeto com repertório e o seu currículo e tiramos por categoria, a de R$ 6 mil para a A, que são para os que têm no mínimo cinco anos de experiência, e R$ 4 mil para a B, que são para aqueles artistas que não tem ainda tanta estrada. E ainda a categoria C, que contempla artistas para a praça Nove de Novembro, porque não temos como contemplar todos para o palco principal, então são aproximadamente 20 artistas. Ao todo são 32 apresentações de artistas de Conquista e região, fora os ternos de reis, corais e espetáculos de dança. Quando soma isso passa das 60 apresentações e o público não dá conta de acompanhar tudo.

Quando o evento começou a atender outras áreas além da música?

Desde o primeiro já participavam os corais e já tinha o Auto de Natal nas escadarias da Catedral, contemplando o lado religioso da celebração do Natal e todas as religiões, até porque muitos dos corais pertencem a algumas igrejas, além dos ternos de reis. O que veio a diferenciar de cinco anos pra cá foi a idealização do Memorial do Reisado, que contemplou as artes plásticas, e a oportunidade a grupos de teatro e dança e os artistas nacionais que passou a ter uma espécie de crescimento com uma grade cada vez mais expressiva. No ano passado, com Lenine, Gal Costa, Ivan Lins e outros grandes, a gente até brincava, será que é possível superar essa programação no próximo ano? Então, conseguimos superar, já pensando em manter esse padrão em 2015.

O valor do Natal da Cidade é um custo alto para Vitória da Conquista?

Veja bem, é o maior evento que a gente tem e que mais dispões de recursos. Mas, sem fazer comparações, tem cidades na Bahia de 30 mil habitantes que fazem um São João com o chamado forró de plástico e que não trazem nenhum valor cultural ou conceitual para a cidade e que gastam o dobro ou até o triplo do que gastamos no Natal da Cidade. E o prefeito Guilherme é muito austero nesse critério e eu tenho a fama de pão-duro, pois eu acho que tem de ter ciúme com o dinheiro público é tanto que quando a gente negocia com esses grandes artistas a gente tenta baixar um pouco os cachês, sem desmerecer o artista, mas a gente fala: “o evento é público, com recursos próprios, não tem patrocínio, é um evento de valorização da cultura”. E, de todos os artistas, não existe um irredutível, a gente sempre paga abaixo do que a iniciativa privada paga a esses artistas.

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Qual o investimento na edição desse ano?

Quando a gente soma o conjunto, que vai da iluminação da praça a estrutura de som e luz do palco principal, que não podem ser qualquer coisa, realmente dá um empreendimento razoável, mas, volto a dizer, nada exagerado se compararmos com gastos com grupos musicais da mídia que deveriam ser financiados principalmente pela iniciativa privada. A grade dos artistas convidados ficou em torno de R$ 500 mil, mas quando coloca toda a estrutura, com passagens aéreas, som, iluminação, hospedagem, veículos para o translado, alimentação e outras coisas, deve ultrapassar os R$ 900 mil, porque tem muitos detalhes e custos variáveis que quem está de fora acha que fazer um evento como esse só pensa no cachê do artista, mas, ressaltando que é tudo feito com licitação e tentando reduzir os custos.

O evento já contou com patrocínios importantes, como da Petrobrás. Hoje é feito com recursos próprios, isso chega a ser uma dificuldade para a prefeitura?

Quando teve apoio da Petrobrás e emenda parlamentar chegava cerca de R$ 100 mil, que em determinado momento era uma boa ajuda porque era 25%, 20% do total, mas isso foi lá atrás. Mas nos últimos seis anos, se não me engano, não houve apoio, teve em algum momento recurso da Bahiatursa, mas com um valor pequeno. Então, nunca tivemos um valor muito representativo de patrocínio, teve pontualmente em alguns anos. E nos esforçamos para fazer, é uma decisão política, até porque é um evento aprovado pela população, do qual só recebemos elogios. E o que eu sempre discuto é que antigamente a gente tinha a micareta e era um evento gigantesco, com muitas dúvidas, muitas críticas sobre a importância da micareta, claro que devemos ter shows de entretenimento, mas era um investimento muito mais alto que o Natal, custava em média mais que o dobro do Natal da Cidade e chegou um momento que ela foi definhando e a aprovação da popular caindo, porque em determinados momentos só se enxergavam os blocos privados porque colocavam grandes atrações e a valorização do artista local era esvaziado, então se tornou inviável para o poder público.

Sobre participação popular, qual a sua avaliação do Conselho de Cultura, das Conferências e do próprio Orçamento Participativo?

Nossa prática de governo é estritamente democrática, de ouvir as opiniões, independente das instâncias formais, a gente escuta muito. Talvez aqueles com quem a gente tem divergências pode achar que a gente não acata sugestões, mas ninguém é auto suficiente, quase tudo que a gente produziu e gerou aqui é fruto de discussão coletiva. O Conselho de Cultura tem dado contribuições quando debate, quando sugere, até porque nós integramos esse Conselho e estamos lá discutindo, ouvindo críticas e aprendemos e trazemos para implementar aqui. Tanto no Conselho como nas Conferências há várias sugestões, mas às vezes as pessoas fazem sugestões que a gente já implementou na prática e também aquelas que só podem ser realizadas a médio e a longo prazo, mas não desprezamos nenhuma, e por outras vezes saem sugestões que não cabem à secretaria de cultura ou para as quais não temos nem fôlego, nem estrutura. Já sobre o Orçamento Participativo, há uma ausência total dos artistas, era para eles estarem lá dentro dessa instância de governo para dizer que quer um equipamento para isso e para aquilo.

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Além das sugestões, como você encara as críticas?

Existem críticas que eu sempre devolvo a alguns segmentos artísticos, porque uma minoria defende uma teoria do caos e falta muitas vezes determinados segmentos serem mais proativos, não que não se pode cobrar do poder público a fazer determinada ação, mas a gente sente uma sintonia de uma determinada linguagem artística que chega e propõe numa linha coletiva, porque muitas vezes esbarra em quem só está buscando apoio para um projeto individual e eu sempre vou defender um projeto mais coletivo e estruturante para fluir a cultura. E, obviamente, a cidade cresceu e tem muitas demandas, a gente não dá conta de tudo, até porque a cultura é dinâmica, a cada momento aparece um novo fazer cultural, uma nova concepção e a gente vai tentando correr atrás dentro da nossa linha de política cultural.

Falando em política cultural, como anda a proposta de se formalizar um sistema municipal de cultura, que inclusive foi temática da última Conferência Estadual?

Veja bem, hoje o município de Conquista já é pactuado em relação a implementação do Sistema Nacional e Estadual de Cultura, então irá concordar com as diretrizes do MinC, respeitando essa linha de organização da cultura, mas o município tem uma legislação um pouco antiga e o nosso dilema agora, que é um dos trabalhos dentro do Conselho, é fazer uma revisão dessa legislação e apresentar um projeto de lei que substitua a antiga, inclusive passamos boa parte desse ano de 2013 revisando o regimento do conselho municipal de cultura, feito pelos próprios conselheiros, fruto da última reunião, chegamos a um novo regimento que será analisado pelo jurídico da prefeitura e depois encaminhado à Câmara para que a gente possa ter uma legislação mais moderna para realmente implementar esse sistema municipal de cultura. Então esse é o nosso dilema, que não é algo tão simples.

Eu fui informado de que por conta dessa demora em estabelecer diretrizes de política pública cultural, grupos de teatro se uniram para boicotar este último edital do Natal da Cidade. Como você vê esse tipo de manifestação?

Eu não recebi essas críticas, até porque nós escolhemos, pelo edital, dois grupos de teatro e dois de dança, e tinham mais escritos. O que aconteceu foi que nós resolvemos adiar para o ano que vem o edital do “Cenas Curtas” porque nós estabelecemos, inclusive em reunião com parte dos grupos de teatro que estavam interessados, um número mínimo de nove espetáculos para realizar o festival e não tiveram essas inscrições. Então, é o que eu falo, falta atitude e, se os grupos de Conquista não querem participar ou não estão produzindo, nós vamos abrir regionalmente, porque estamos abertos a sugestões, mas não adianta reclamar e não apresentar propostas e quero dizer que muitos atores e diretores criticaram e vieram discutir o projeto, estamos abertos para isso. Mas, às vezes o artista quer uma visão paternalista. E, particularmente com a área de teatro, eu me comprometi a buscar apoiar projetos consistentes e com propostas coletivas, porque eu acho que é a área que está menos atuando na cidade.

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Há quem critica a secretaria dizendo que só realiza eventos, sem política cultural.

Aí a gente tem que fazer a pergunta: “o que é política cultural?”. A política cultural existe. Nós não fazemos algo para agradar um grupo, nós fazemos para a população. Temos os editais também e os concursos. O “Por isso é que eu canto”, por exemplo, que projeta tanta gente e o “Cenas curtas” para o teatro, que foi inclusive proposta dos grupos. Criamos o concurso de minipresépios em valorização ao artesão. Se a prefeitura tivesse fazendo o papel do mercado privado, mas não. O artista local da música onde ele se enquadra? No Festival da Juventude eles têm espaço garantido, no São João são mais de 60 grupos pé-de-serra e bandas de forró da cidade, no Natal da Cidade são 32, fora os ternos de reis e os corais. Então, existe uma política cultural de valorização do artista local. Agora, existe uma minoria equivocada, que acha que o poder público tem que dar conta de atender a todos. Conquista, falando por alto, deve ter mais de 1 mil músicos, imagine… Então, os modelos de editais que entram são para valorizar os artistas. É política cultural dotar o município de espaços de formação para a nossa juventude, porque alguns poucos pensam que política cultural é como eu consigo ter um dinheiro para produzir o meu show, meu cd, isso também é, mas, por exemplo, toda a área de educação implementar ações como o “Mais Cultura”, “Mais Educação”, pois eu acredito que a cultura só vai avançar e ocupar o seu espaço com dignidade quando trabalhar junto com a educação, então, quando nossas escolas cumprirem um papel de formação, que é difícil, pois tem que contrapor a grande mídia e as redes sociais, que hoje têm muita coisa ruim para a garotada. Outro ponto: a cidade estava carente de espaços e agora o prefeito criou a Praça da Juventude, com espaço de anfiteatro, a Praça da Cultura e do Esporte no bairro Flamengo tendo uma sala de cinema, que já está metade construída, o espaço do Centro Educacional Glauber Rocha que servirá à cultura e eventos, estamos adquirindo o Cine Madrigal através da Educação, que é um resgate importante, tem adquirido casarões antigos, como a Casa Régis Pacheco. Então, investir nos equipamentos e recuperar um patrimônio não é política cultural? Nós temos diretrizes e conceito no que fazemos e não há intransigência para o diálogo, agora, vamos para o bom debate, aqueles que dizem que não existe cultura, não existe política cultural, são os que seguem a teoria do caos ou talvez os que são oposição, até mesmo na linha partidária. Mas, nós escutamos as pessoas e crescemos muito com as críticas e, internamente, estamos brigando para melhorar e fazer cada vez melhor.

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