Do professor Durval Menezes*

A cidade de Vitória da Conquista está localizada na encosta da Serra do  Piripiri  (941  metros  de  altitude),  que  é  um  divisor  de  duas  bacias hidrográficas.

A encosta dessa Serra, além de  ter  sido palco de uma  sangrenta batalha entre índios e bandeirantes, é envolta em mistérios nunca dantes revelados. Parece ter algo de místico. Na parte alta da cidade, início do “Pé da Serra”, foi  construído  o  primeiro  colégio  religioso  em  Conquista  (Ginásio  do Padre), hoje um núcleo  social da Diocese; a menos de cem metros, encontra-se uma grande instituição evangélica; um pouco acima destas instituições, está concentrada quase uma dezena de centros espiritualistas: umbanda, candomblé e outras práticas. A menos de quinhentos metros, encontram-se seis  templos religiosos. Paradoxalmente é uma das áreas urbanas onde mais se pratica a violência, onde existe o maior agrupamento de gangs, várias quadrilhas de  traficantes, assaltantes e um altíssimo  índice de homicídios.

O Cristo que foi construído no alto da Serra, como símbolo religioso e atração turística, em nada mudou o comportamento dos malfeitores do Alto do Cruzeiro e bairros adjacentes; muito pelo contrário, os turistas atraíram mais assaltantes. Talvez seja por  isso que mais de 80% da população de Vitória da Conquista nunca visitou a Escultura do Cristo de autoria do artista plástico Mário Cravo.

Em  1899,  o Sertão  da Ressaca  foi  assolado  por  uma  grande  seca jamais vista por  toda a  região, e a cidade de Conquista  foi  invadida por centenas de flagelados famintos, com quem a população teve de repartir o pouco alimento que ainda restava. Surpreendentemente, de um momento para outro, o céu escureceu e ficou coberto por uma nuvem composta de milhares  de  pombas  de  arribação,  que  fizeram  um  voo  rasante  sobre  a cidade e, misteriosamente, desapareceram por trás da Serra do Piripiri. No dia  seguinte,  a  população  foi  surpreendida  com  uma  quantidade impressionante de ovos deixados pelas pombas, o suficiente para saciar a fome de centenas de pessoas. A cidade inteira deslocou-se até o local, a fim de presenciar o “Fenômeno das Pombas”. As pessoas corriam afoitas em direção à Serra e  retornavam com cestos, cabaças e potes cheios de ovos.

Este fenômeno ficou conhecido como “As Pombas Poedeiras” e, para os devotos da religião católica e outras seitas, como “O Milagre das pombas da Serra do Piripiri”. São vários os documentos históricos que registram a fome de 1899 e esse  fato.

Apesar  de  a  Serra  do  Piripiri  encontrar-se,  feia,  esburacada  e descaracterizada,  no  passado  era  toda  coberta  por  uma  vegetação exuberante,  até  com  algumas  espécies de orquídeas. A  área onde  foram construídos  o  Hotel  Pousada  e  a  torre  (estação)  telefônica  era  o  local preferido pelas lavadeiras em razão da abundância de mananciais de águas cristalinas e potáveis. Não era preciso fazer escavação, pois a água brotava como fonte natural, descia pelas encostas, se juntava a outros brotões e ia formar o “Poço Escuro”, nascente do Rio Verruga.

Esse rio, ainda riacho, nasce na cidade de Vitória da Conquista, na pequena  reserva  florestal  chamada  “Mata  do  Poço  Escuro”,  que  está localizada na encosta da Serra do Piripiri. Através de um canal de concreto, passa por baixo da Rua Coronel Ernesto Dantas  (centro), atravessa a Praça 9 de Novembro, corre pelos fundos da Caixa Econômica Federal, continua por baixo da Praça dos Caixeiros Viajantes (entre a 1ª Igreja Batista e o Monumento  ao  Índio),  segue  por  trás  da  casa  onde  nasceu  o  cineasta Glauber  Rocha,  por  debaixo  do  Hospital  Unimec,  corre  em  direção  à Avenida Bartolomeu de Gusmão, joga suas águas na lagoa conhecida como “Pinicão” e, em  seguida, na cidade de  Itambé, despeja-se no Rio Pardo.

O Rio Pardo nasce na Serra do Espinhaço em Minas Gerais e deságua no Oceano Atlântico no sul da Bahia. O Rio Verruga é, portanto, um dos afluentes da margem esquerda do Rio Pardo. Lamentavelmente um trecho do Rio Verruga é, na  realidade, o esgoto central de Vitória da Conquista.

A fauna e a flora da Serra do Piripiri eram riquíssimas. Aos poucos suas  árvores  foram  sendo  cortadas  para  lenha,  as  flores,  que  eram naturalmente  irrigadas pelas águas que brotavam dos mananciais,  foram sendo,  durante muitos  anos,  retiradas  e  vendidas  na  feira  livre. Mas,  o grande impacto e sua destruição devem-se à construção civil. Toda a parte  central da cidade e alguns bairros  têm a pavimentação de suas  ruas e praças e a edificação de suas casas feitas com areia e pedras extraídas da Serra do Piripiri. Milhares  de  caçambas  desse material  foram  transportadas  para cidades  da  circunvizinhança,  em  razão  da  sua  boa  qualidade  para  a construção  civil.  Foi  também  utilizada,  na  década  de  1960,  grande  quantidade  de  areia  e  de  cascalho  na  pavimentação  da BR-116  (Rio – Bahia).

O  coronel  e  engenheiro  Durval  Vieira  Aguiar,  especialista  em engenharia de mineração, foi o primeiro a estudar a Serra do Piripiri e a constatar a existência de  radiação e a probabilidade de haver diamantes  (não comprovada).

Na década de 1940,  fixou  residência por mais de vinte anos em Vitória da  Conquista  o  alemão  Bruno  Sundmarken,  descendente  de  uma  das famílias mais aristocráticas da Europa. Foi proprietário de uma parte da Serra do Piripiri e recomendava à sua família que, das propriedades a serem deixadas por ele à família, aquela deveria ser a última a ser vendida. Bruno, que também era engenheiro de minas, dizia que “Naquela serra, existe uma riqueza desconhecida pelos brasileiros”. A sua esposa Dezinha Lima dizia que o segredo  foi  revelado e confiado à  inteligente e culta professora Helena Cristália Ferreira  (segredo esse nunca  revelado).

O  engenheiro  de minas  conhecido  como  professor Maia,  também alemão  e morador  desta  cidade  por mais  de  trinta  anos,  fez  um  estudo detalhado  da Serra  do Piripiri  e,  em  suas  aulas  de matemática  e  física, costumava fazer comentários sobre a radioatividade registrada nas areias daquele  lugar:  “…  não  vejo  com  bons  olhos  a  localização da  cidade  na encosta da serra…”. O professor Alfhonso Hofman (este era o seu nome) foi um dos primeiros a estudar a radioatividade no município de Caetité, cuja riqueza do urânio é conhecida e, hoje, explorada e exportada em grande quantidade  para  países  europeus. O  doutor Hofman  também  estudou  e mapeou as riquezas minerais da Serra dos Pombos no município de Anagé. As  jazidas minerais, principalmente as de esmeraldas,  foram exploradas por diversas empresas de  forma desordenada e misteriosa.

Grande  parte  dos  trabalhos  pesquisados  pelo  professor Maia  foi confiada ao seu amigo e ex-aluno professor Rui Bruno Bacelar de Oliveira, que era geólogo e fez especialização na Alemanha e no Japão em geofísica. Estava morando nesta cidade, quando adoeceu e  repentinamente  faleceu.

Outro estudioso da Serra do Piripiri foi Ubaldino Gusmão Figueira, líder evangélico, que, apesar de ser um grande profissional da medicina, era um apaixonado pelo estudo da mineração. O doutor Ubaldino chegou a adquirir duas propriedades rurais na parte leste e oeste da encosta da Serra do Piripiri.

O ex-agente e coordenador de pesquisas do  IBGE nesta cidade, o cidadão Melquisedeque Xavier do Nascimento, homem  inteligente, curioso e estudioso de minérios, foi aluno e amigo do professor Maia (Hofman) e muito amigo do geólogo Rui Bruno. Melquisedeque também comprou uma área na extensão da Serra do Piripiri.

Para aumentar o mistério, descobrimos, ao  fazer um overlay no site do Departamento Nacional da Produção Mineral  (DNPM), um processo de registro para exploração de diamantes industriais em nome de Ernesto Coelho Bruno Bacelar,  filho do pesquisador, escritor, professor, geólogo e geofísico  Rui Bruno Bacelar de Oliveira. Um dos vértices da área pesquisada está nas Coordenadas  Geográficas  de  Latitude  14º46’24”e  Longitude  40º44’48”, portanto próximo do  alto da Serra do Piripiri. Rui Bruno era geólogo e aplicava a geofísica nos estudos profundos do solo. Será que este homem de ciência procurava nas profundezas das proximidades da Serra o Kimberlito, que é a rocha matriz dos diamantes?

A cidade toda conheceu Rui, que sempre foi tido por todos como um profissional competente… E realmente era um estudioso… O professor Rui Bruno Bacelar de Oliveira, em  suas aulas de  física na Universidade Estadual do Sudoeste  da Bahia,  estava  sempre  a  alertar  sobre  alguns  fenômenos desconhecidos que ocorrem sempre nas imediações da BR-116 na encosta da  Serra  do  Piripiri,  ocasionando  constantes  acidentes  de  veículos. Consultado,  o  antigo Departamento Nacional  de  Estradas  de  Rodagem (DNER) comprovou o elevado índice de acidentes com veículos naquele trecho, mas afirmou que não  se  trata de nenhum erro de engenharia.

Na  década  de  1970,  duas  grandes  empresas,  uma  alemã  e  outra japonesa, deram entrada na documentação junto ao Ministério de Minas e Energia, requerendo o direito de exploração das areias da Serra do Piripiri para fabricação de vidro e louça. As empresas estrangeiras não obtiveram êxito porque a Serra  já se encontrava em processo de  tombamento como patrimônio  histórico.  Não  ficou  esclarecido  qual  o  real  interesse  dos empresários nipônicos e alemães. Na época muito se comentou a ocorrência na  exploração  do  “chumbo”  em Boquira,  região  de Macaúbas,  quando diziam que e a principal riqueza da mina não era o chumbo, e sim o ouro. O mistério continua!…

Nota: segundo Aurélio Buarque de Holanda, piripiri é um termo de origem tupi que significa  papagaio  pequeno,  também  conhecido  como piriquito-urubu. O professor, pesquisador e historiador Ruy Medeiros diz que piripiri significa brejo, caniço,  tabua,  junco coletivo  (abundância de tabua). Houve  transposição de sentido da palavra que  indica vegetação para significar brejo. Afirma o professor Ruy Medeiros: “… é melhor conservar a forma original  tupi:  ‘piripiri’, e não  ‘periperi’…”.

*Capítulo do seu livro “A Conquista dos Coronéis”.

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