Da Folha de São Paulo* (31/01/2013)

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Cena 1: O novo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, comemora sua posse no bar Brahma com um seleto grupo de familiares e aliados.

Cena 2: A presidente Dilma recebe Selton Mello e Marta Suplicy para uma sessão VIP de “O Palhaço” no Planalto.

O ponto em comum é a presença do produtor cultural Pablo Capilé, 33, dirigente do Fora do Eixo, rede de coletivos que reúne mais de 2.000 pessoas por todo o país.

Essa história começa em 2006, quando jovens ligados à cena musical independente uniram forças em Cuiabá (MT) para dar voz a artistas de fora do eixo Rio-São Paulo. Mas foi nas gestões de Gilberto Gil e de Juca Ferreira no Ministério da Cultura (2003-10) que a rede ganhou poder de fogo. Levantou a bola da inclusão digital e da flexibilização de direitos autorais, causas que ganharam a atenção de Gil e Juca no MinC.

O protagonismo político veio em 2011, com críticas à sucessora Ana de Hollanda (2011-12), acusada por eles de sufocar essas bandeiras. Desde então, a rede cresceu e apareceu. Em 2012, movimentou R$ 13 milhões com o “banco de serviços Fora do Eixo”, que vai de festivais de arte a consultorias. Hoje, seus membros são recebidos pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, e pelo secretário Juca Ferreira, em SP.

A ascensão do grupo desperta reações apaixonadas. Críticos desconfiam da proximidade com o poder e os acusam de concentrar recursos públicos para a cultura. “Se eles incomodam, é pela capacidade de agir. Não pedem licença e nem beijam mão. Saem fazendo”, diz Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ.

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Fora do Eixo criou universidade e partido informais

Diz o cuiabano Pablo Capilé que há “duas narrativas possíveis” e conflitantes para explicar o Fora do Eixo, rede de coletivos que funciona em 188 pontos do país. “Uma é [que] ‘eles chegaram agora e se sentaram na janelinha'”, ironiza o dirigente sobre o poder de influência que a rede ganhou. “A outra”, continua, “é falar em como contribuíram para a mudança do mapa da música brasileira, conectaram coletivos, organizam o festival Grito Rock em 30 países e têm ‘universidade’ que trabalha na formação estética, política e social do aluno”.

Para Paulo Sarkin, vice-presidente da Federação Nacional de Músicos Profissionais, “o discurso messiânico deles serve para solidificar uma panelinha na qual só tocam aqueles que se dispõem a enfrentar um esquema amador e cachês incertos. Ou seja, para jovens aventureiros”.

Entre 2009 e 2013, o Fora do Eixo inscreveu ao menos 392 projetos em mecanismos de fomento à cultura das três esferas de poder: municipal, estadual e federal. Segundo a rede, que publica todos os dados na internet (até senhas de Facebook), foram captados cerca de R$ 12 milhões dos cofres públicos entre 2010 e 2012. A soma corresponde a 29% do total investido pela rede em projetos. Esses recursos foram usados para multiplicar ações como festivais, palestras, comércio de produtos e consultorias, que geraram uma receita de quase R$ 30 milhões no mesmo período.

Com mais de 2.000 colaboradores, o Fora do Eixo deixou de agir apenas na cena musical e passou a atuar fortemente no campo político. Hoje, os coletivos da rede participam de debates sobre temas tão diversos como violência policial, descriminalização de drogas e políticas públicas para a cultura.

O Fora do Eixo ganhou projeção ao bater de frente com a ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda, a quem acusavam de falta de diálogo, de ser pró-Ecad (entidade que administra direitos autorais) e de paralisar a cultura digital. “A ex-ministra acabou mobilizando movimentos sociais da cultura, que se articularam na retomada de algumas políticas”, diz Otto Ramos, da Casa Fora do Eixo do Amapá. À Folha, Ana rebate a crítica sobre falta de diálogo: “É inteiramente infundada”.

EMPODERAMENTO – Hoje, o Fora do Eixo tem universidade e partido informais, criados para divulgar e multiplicar suas ações.

Membros do movimento evitam usar a palavra “influência”. “Não faço questão de ter o telefone pessoal da ministra [Marta]. Me posiciono publicamente. A força disso faz com que a informação chegue às pessoas a que tem de chegar”, diz Capilé.

Para ele, a mobilização dos coletivos representa “uma nova forma de fazer política”.

A expansão desse “empoderamento” levou a casos pontuais de membros do Fora do Eixo em cargos públicos. Otto Ramos, por exemplo, é presidente do Conselho Estadual de Cultura do Amapá e destina todo o seu salário para o movimento.

Para Capilé, a rede tem “força para presidir conselhos de cultura no Brasil inteiro”. “Não o fazemos porque queremos incentivar mais gente a participar dessa parada”, conclui.

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Atividades são compartilhadas na casa que recebe gente de todo o país; ao fundo, Gilmar Dantas do Coletivo Suíça Bahiana, representante do FDE em Conquista

Fora do Eixo compartilha casa, cartão de crédito e criação de um bebê

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A casa de nº 282 da rua Scuvero, no bairro da Liberdade, em São Paulo, é conhecida como Circuito Fora do Eixo, quartel-general da rede. Pelo sobrado passaram Marina Silva (ex-ministra do Meio Ambiente) e Franklin Martins (ex-secretário de Comunicação Social), Richard Stallman (fundador do Software Livre), Criolo e Gaby Amarantos. Mas ninguém ali recebe mais atenção que Benjamin, de dois meses de idade, um dos 18 moradores fixos do imóvel alugado por R$ 3.700.

Filho de dois integrantes do grupo, sua “gestão é compartilhada”, avisa uma das moradoras da casa. Benjamin é também símbolo da sociedade criada por jovens que vivem 24 horas por dia, sete dias por semana, em função do Fora do Eixo.

O que à primeira vista parece uma república universitária é, de fato, a ideia de “coletivo” levada ao pé da letra. Praticamente tudo é de todos, como Benjamin e os dois carros que servem ao grupo.

Quem entra na casa não tem salário, mas ganha a senha de cartões de crédito coletivos. Assim, custeiam despesas comunitárias e individuais, como roupas (vale o bom senso: se quiser comprar grife, pode, mas boa sorte explicando essa “necessidade”). Os gastos são anotados num caderno batizado de “Livro Caixa”. Por mês, vão-se cerca de R$ 17,5 mil, de material gráfico para projetos (R$ 400) a produtos para higiene pessoal (a conta da farmácia fica em R$ 500).

Em média, sacam R$ 6.300 por mês para alimentação. Saem uns 40 almoços por dia (além dos residentes fixos, há dezenas de visitantes diários). Quando a Folha esteve lá, o menu era carne assada e batata ao molho branco. Na mesa, uma Coca-Cola vazia. Os visitantes da casa vêm das cinco regiões do país e da periferia da cidade. Outros tantos integram a juventude da zona oeste paulistana que adota o sobrenome “Guarani-Kaiowá” no Facebook. Os debates, animados, se estendem até os chamados “bondes da madrugada”.

NEGÓCIOS – Os moradores da Casa trabalham com laptops no colo numa miríade de projetos. No começo, a expertise era festival de música independente (Vanguart e Macaco Bong se fortaleceram nesse circuito). Hoje, o leque vai de teatro a editorial de moda.

Muitos prestam serviços de mídia e design para empresas. Outra atividade que alimenta a “caixinha” é consultoria –para quem, por exemplo, quer organizar sua própria rede. Os preços variam. “Tem de R$ 3.000 e de R$ 15 mil. E há quem troque por Cubo Card [moeda criada pelo grupo]”, afirma o cofundador Pablo Capilé.

*Por ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER e MATHEUS MAGENTA

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