A decisão da Secretaria Estadual de Cultura causou uma “revolta” há muito tempo não vista na cidade

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Fazia tempo que a cena cultural de Vitória da Conquista não se mobilizava como se mobilizou neste mês de maio. O motivo: a coordenadora do Centro de Cultura foi exonerada no último dia 3. Maris Stella Schiavo, que assumiu a gestão em setembro de 2012, desobedeceu uma norma da secretaria de Cultura do Estado ao permitir a realização do velório do artista plástico J. Murilo no espaço. A Secult foi rápida e certeira: a exoneração foi comunicada sem meia conversa, pegando de surpresa a comunidade conquistense.

941631_424540624308639_843019471_nA repercussão também foi imediata, logo o Centro estava ocupado por dezenas de pessoas que se manifestavam contra a atitude do governo. Uma vigília foi feita pelos que protestavam e um novo velório aconteceu no lugar proibido, era o velório do próprio Centro de Cultura. Para os manifestantes, Maris Stella foi responsável por uma nova fase de efervescência cultural e artística na cidade. Ela “trouxe novo fôlego para a cultura local, promovendo a dinamização deste espaço cultural e mais, democratizando sua utilização através de uma ação continuada em prol de sua ocupação pelas diversas expressões artísticas e sujeitos, dando voz e vez para as culturas marginalizadas, especialmente as populares, propiciando encontros de diferentes ativistas da cultura local e baiana, de variadas matrizes e linguagens”, diz o texto divulgado no site Avaaz junto com o abaixo-assinado criado por eles. A petição virtual solicita a revogação da exoneração e será encaminhada ao secretário de Cultura da Bahia, Albino Rubim – cerca de 900 pessoas já assinaram.

A norma da Secult que proíbe a realização de velórios foi publicada em 19 de janeiro deste ano e, de acordo a secretaria, era de conhecimento da ex-gestora. “Mesmo tendo conhecimento da Instrução Normativa e da proibição, a coordenadora Maris Stella solicitou autorização para realização do velório no Centro de Cultura. E mesmo tendo sido negada pela própria Superintendente de Desenvolvimento Territorial da Cultura do Estado da Bahia, que falou pessoalmente com coordenadora, tal evento aconteceu, com a expressa manifestação da coordenação de que ela o faria, ainda que desacatando as normas da Secretaria. Como não é possível manter em um cargo de confiança uma funcionária que não compactua com o pensamento da gestão, não segue os procedimentos comuns e padrões a todos os centros, nem acata as orientações do órgão no qual ela trabalha, não há outra atitude a tomar que não a sua exoneração”, diz a nota oficial publicada pela Secult.

Após a repercussão, Maris Stella escreveu: “minhas opiniões pessoais, de fato, não importavam. E sim, que ingerências administrativas contra toda e qualquer norma, emperravam todo o processo. Durma-se com um barulho desses… E contornar descaso e má vontade requeria intervenções artísticas, criatividade e gente de boa vontade”. Mais adiante deixou um pedido: “aos muitos grupos de ensaio e residência trimestral, peço: continuem atuantes e mantendo vivo esse nosso Centro de Cultura. Ocupem todos os espaços e horários. Continuem ‘sobrecarregando’ de demandas as agendas e fazendo funcionário público trabalhar. Isso é bom!”.

Durante o pouco tempo que esteve à frente do CCCJL, Maris Stella conseguiu realizar uma série de atividades culturais, dando espaço para intervenções artísticas, saraus, encontros e uma série de atividades que fomentavam a participação do público e a divulgação das produções de artistas locais. Tanto que a notícia de sua exoneração fez com que muitas pessoas se manifestassem – veja abaixo algumas opiniões.

Até que um novo nome seja apontado para assumir o lugar de Maris Stella, o CCCJL será gerido por um interventor da Secult – e os protestos continuam…

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“A praça é do povo e o Centro de Cultura tem que ser também. Se o espaço estava sendo aberto e usado para favorecer a cultura, então houve um grave equívoco ao exonerar Maris Stella. Por isso, fica aqui nossa manifestação de desacordo” – presidente do diretório do Partido dos Trabalhadores de Vitória da Conquista, Rivaldo Gusmão.

“Sejamos sinceros: este é um espaço da cultura, para a cultura e que tem a cultura como finalidade, ou um tributo à burocracia? De quem de fato é o Centro de Cultura? De quem manda, fazendo obedecer quem tem juízo, ou de nós – pobres mortais – que, em tese, damos sentido a toda esta instituição que nos representa? (…) Nos últimos meses da gestão do CCCJL foi explícita a mudança e os avanços na dinâmica do espaço, com a total ocupação pela comunidade dos lugares de produção, discussão, reflexão e vivência pela cultura” – Marcelo Lopes, orientador social do SESC.

“É, realmente, muito contestável o afastamento da servidora ainda que de livre nomeação. Configura-se, a mim, nada mais, do que a visão burocrática da Administração Pública em curso, atuando insólita, a revelia do interesse coletivo. Os “superiores hierárquicos”, ao utilizarem-se do método de interpretação mais arcaico ao direito administrativo contemporâneo, simplesmente subsumindo o fato a norma disciplinar, ferem a ponderação a ser alcançada com o princípio da legalidade e o princípio da eficiência administrativa, ambos esculpidos no artigo 37 da Constituição Federal” – Nadjara Régis, advogada.

“Assinei e assinarei em quantos forem necessários, como artista e como cidadão, por acreditar em um trabalho que vinha sendo feito pautado na ética e no compromisso com o fazer artístico da cidade e Região” – violonista e compositor Geslaney Brito.

“É inegável o trabalho que ela vem desenvolvendo à frente deste espaço cultural, com várias ações, além do fato de ela ter quebrado paradigmas, ter subvertido a ordem, tendo legitimado este espaço cultural” – Gilsergio Botelho, ator e diretor da Companhia de Teatro Operakata.

“É um grande equívoco, sobretudo da forma como se deu, no momento de homenagem ao grande artista que foi J. Murilo e que mais que merece este gesto. Maris Stela não fez nada de errado” – produtora cultural e atriz Jeanne Marry.

“Os Conselheiros consideram, entretanto, procedente o atendimento ao último anseio do artista plástico J. Murilo (ser velado no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, local da exposição de suas obras), e que este procedimento não configura, aos olhos deste Conselho, uso indevido com finalidade particular, uma vez que, o referido pintor é pessoa pública, artífice das artes, reconhecido regionalmente e com valoroso acervo cultural, fazendo parte da história desta terra e deste país. (…) o Conselho de Cultura desta cidade, vem solidarizar-se com Maris Stella Schiavo Novaes entendendo que sua atitude foi de cunho espontâneo e plenamente humano” – Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista.

Fotos: O REBUCETÊ / Depoimentos publicados no BLOG DO FÁBIO SENA

Texto publicado na edição 48 do jornal Folha Solta (maio/13)

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