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Por SILVIO ESSINGER (em O Globo)

Alguns anjos e uma nave intergaláctica sobrevoam um Rio de Janeiro soterrado por livros. E, no meio do cenário apocalíptico, surgem, impávidos, no traço do quadrinista paraibano Mike Deodato Jr. (que desenhou quadrinhos de Vingadores, Hulk e Thor para a Marvel Comics), os quatro músicos do Rappa: o vocalista Marcelo Falcão, o guitarrista Xandão, o baixista Lauro Farias e o tecladista Marcelo Lobato. “Nunca tem fim…”, o primeiro álbum de inéditas do grupo em cinco anos (que o iTunes começou a antecipar em streaming na terça-feira), estampa na capa a imagem de um grupo que volta fortalecido, depois de dois anos parado e quase dois envolvido em uma turnê. Os imbatíveis super-heróis do Rock Brasil geração 1990.

— Não acho que sejamos sobreviventes. Continuamos fazendo o que sempre fizemos — minimiza Falcão, que em março perdeu um de seus grandes amigos, Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr., gigante do rock brasileiro dos anos 1990 com a qual O Rappa dividia público. — Não vou esquecer o Chorão, ele era o único cara de 40 e poucos anos que eu via conseguir falar com os adolescentes de skate. Ele me ligou uma semana antes da loucura (a morte por overdose de cocaína). Hoje, o segurança dele, o Vitor, trabalha comigo.
Segundo o grupo, o título “Nunca tem fim…” pode se referir tanto à sonoridade da banda quanto às suas convicções e à amizade entre os integrantes. É, concordam os quatro, um disco de superação. Com dez faixas, o álbum chega ao comércio na próxima terça, em CD, vinil duplo e faixas de iTunes. Ele é o resultado do que os músicos produziram em seus estúdios caseiros, com a participação, nas letras, de parceiros da antiga (caso de Marcos Lobato, irmão de Marcelo e tecladista de apoio do Rappa) e de tempos mais recentes (como o pernambucano Lula Queiroga).

Letras mais diretas
A mudança na escrita da banda, uma década após a saída de seu principal letrista (Marcelo Yuka), é evidente.
— Os subterfúgios, a dualidade, as coisas deixadas no ar, elas ainda existem, mas não por completo. A naturalidade foi aflorando mais e mais — diz Falcão.

O vocalista tenta explicar a forma mais direta com que a banda se expressa em faixas como “Anjos (pra quem tem fé)” — o primeiro single, inspirada na luta de sua tia contra o câncer —, “Auto-reverse” e “Cruz de tecido” — que fala dos “controladores sem controle” envolvidos no acidente de avião da TAM em Congonhas, em 2007, que deixou 199 mortos.

— Eu não me sentia confortável com aquela letra (de “Cruz de tecido”) antes. Ainda estava vendo como aquilo se desenrolaria. Nisso, se passaram seis anos e ninguém solucionou nada. A gente vive num país que não tem senso de justiça.

Falcão, no entanto, não se dobra às críticas feitas, outrora, às letras de “7 vezes”, o álbum anterior do Rappa.
— Muita gente falou que elas eram difíceis, mas a galera que ouve e que curte O Rappa entendeu muito bem. Cada um interpretou da sua forma. O que não dá é para subestimar a inteligência dos ouvintes e querer impor à banda uma posição — diz o vocalista. — Com o tempo, porém, a gente foi falando de outras formas.

No meio do caminho rumo a “Nunca tem fim…”, o grupo se viu arrastado pela repercussão de “Vem pra rua”, jingle de um fabricante de carros para a Copa das Confederações, com vocais de Falcão, que inesperadamente virou hino das manifestações de junho. Criada pela agência S de Samba (de Wilson Simoninha e Jair Oliveira), a música deveria ter sido cantada por Seu Jorge.

— Era um desafio para mim. A letra não tinha a marca, achei irada. Tenho uma série de amigos que fazem jingles e que se dão bem. Até minha família perguntava por que eu não fazia. Mas, juro, se eu soubesse que ia ter essa repercussão, não gravava — conta o cantor, que começou a ser interpelado por fãs do Rappa, crentes que aquela era uma nova música do grupo (num vídeo, divulgado na internet, os músicos posteriormente expuseram suas opiniões acerca das manifestações).

— A gente sempre ficou preocupado em falar coisas consistentes, de não mandar qualquer tipo de abobrinha nas músicas. E aquilo ali criou uma identificação com o público — analisa Marcelo Lobato.

— Depois que o jingle começou ser divulgado, as pessoas pediram uma resposta, como se a gente tivesse feito a música para isso — emenda Xandão.

— Talvez as pessoas nos enxerguem como uma banda panfletária, o que a gente não é. Nunca levantamos bandeira, nunca subimos em palanque, e sempre fomos contra essa história de músico se misturar com política — encerra Falcão.
“Nunca tem fim…” é o primeiro disco do novo contrato do Rappa com a Warner, gravadora desde o primeiro disco, de 1994. Entre os frutos dessa renovação de parceria está, a se concretizar ainda esse ano, a reedição em vinil de todos os seus álbuns.

— O nosso último contrato era muito ruim — denuncia Xandão. — A gente passou mais de um ano negociando este novo. A nossa relação com a Warner sempre foi muito boa, sempre houve respeito. E como a gente ainda não estava preparado para ir para o independente, era interessante continuar esse trabalho.
Show no Rio em outubro

O show de “Nunca tem fim” terá sua estreia em São Paulo, no Espaço das Américas, nos dias 20 e 21 de setembro. Num palco com projeções, O Rappa mostra as novas músicas e recebe convidados como os rappers Edi Rock e Dexter (que participam do disco), BNegão e o grupo A Banca (dos músicos do Charlie Brown Jr.). O show vem para o Rio nos dias 5 e 6 de outubro, no Citibank Hall. E, num futuro ainda incerto, Falcão lançará seu primeiro álbum solo:
— Vai ter alguma coisa que lembra O Rappa, mas também outras de que gosto e que não deu para fazer com a banda.

Confira no vídeo abaixo o bate-papo com a banda sobre cada faixa do novo disco.

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imagemNUNCA TEM FIM – O RAPPA
Em CD, Digipack e LP
10 faixas; Warner Music
A partir de R$ 29,9
À venda no Itunes e na Saraiva.

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