Por Maria Eduarda Carvalho*
A noite foi de viola e cantoria para os que compareceram, na última quinta (29), ao espaço conceito do Campus Vivant. O ambiente situado na avenida Olívia Flores foi palco para o projeto Evandro Convida que teve como convidado de estreia para a temporada de 2014 o violeiro e cantador Xangai.

Evandro Correia, mestre de cerimônia da noite, explica que a ideia nasceu já faz algum tempo e já foi executada também na capital baiana, “o projeto começou por volta de cinco seis anos atrás no Teatro Carlos Jeovah e o ano passado passamos por Salvador. Surgiu a oportunidade de realizá-lo aqui, convidei Xangai e o resultado foi muito bacana”. Ana Claudite, uma das realizadoras do evento, revela que o projeto pretende seguir a linha do que foi a primeira edição: “a ideia é trazer Evandro Correia e um artista seguindo sempre a linha do regional, outras edições com mais violeiros e cantadores”.
Ana Claudite explica também a origem da parceria com o Campus Vivant. “A parceria nasceu do interesse que o Campus Vivant tinha de fazer desse um espaço de conceito agregando eventos culturais ao empreendimento. Como os responsáveis são fãs de Evandro Correia, eles facilitaram o ambiente nessa parceria e nós, também fãs, abraçamos a proposta”.
O primeiro convidado da temporada, além de ser um dos violeiros oriundos do sudoeste baiano é também parceiro de longa data de Evandro. “Xangai é um companheiro de muitos anos atrás, de muito tempo, mas nesse formato é a primeira vez que trabalhamos juntos”, revela o cantor. Evandro e Xangai dividiram o palco e o tempo de show, Xangai, o primeiro a se apresentar foi acompanhado nas primeiras canções pelo maestro e violonista João Omar. Não demorou muito para que Evandro fosse convidado ao palco e, após cantarem juntos, Xangai se despediu da platéia ao som de “Sentimental Demais”, de Altemar Dutra, canção que daria o tom para as outras melodias apaixonadas que se seguiriam.
A atmosfera intimista que proporciona um cantador e sua viola deu ao público, mesmo distante, uma sensação de proximidade. As músicas mais conhecidas eram recebidas com sorrisos e comentários, alguns se propunham a cantar baixinho e, mesmo sentados, os corpos balançavam de um lado para o outro seguindo o ritmo da seresta.
Mas existe muito mais histórias entre um cantador e sua viola, a cultura do sertanejo, a melodia da caatinga. “Os cantadores são uma linha que no Brasil ainda reflete uma espécie de resistência, não como revolta, mas a resistência que o nordestino tem de sobreviver, sobreviver ao tempo, preservar seus valores”, revela João Omar. O maestro ainda expõe a importância do apoio do poder público para manter viva essa cultura. “Por um lado a arte é feita pelos artistas, governo não faz arte – e se um dia fizer, nós estamos perdidos (risos) – mas, a missão do governo é criar essas pontes, aprimorar o acesso e confrontar com esses processos que são demasiados massificantes e acabam promovendo demais músicas que não expressam nada da alma, da cultura, de nada e que, mesmo assim, participam como alguns fenômenos de indústria, de venda e de comércio. E essa arte é o contrário disso e o governo precisa estar ciente desse projeto da cultura e da arte brasileira para tentar melhorar ao máximo a infraestrutura de apoio”.
Xangai – “Outro dia uma pessoa chegou na feira, bateu no ombro de Elomar e falou: ‘Xangai, como você está? Rapaz, cadê Elomar?’ E Elomar respondeu: ‘não sei’. E a conversa continuou: ‘Xangai, nunca mais vi Elomar’. E ele respondeu: ‘nem eu’. No Brasil inteiro, a cultura popular tem adeptos, mas claro que a grande massa está alienada, são pessoas que parecem não ter poder de discernimento, de escolha, então são facilmente enganados, iludidos, são ‘marias vão com as outras’, em todo lugar, aqui também em Conquista tem gente que não sabe quem é Elomar, e tem gente também que não sabe quem sou eu.”
O principal legado dos violeiros é o resgate da história. E a preservação dessa narrativa através dos tempos. Talvez por isso não seja um produto cultural massificado com visibilidade midiática, mas ainda assim preserva seus seguidores. Na contramão dessa cultura de massa, Xangai afirma também que tem o melhor público do Brasil. “Eu não me queixo porque tenho o melhor público do Brasil, qualitativamente falando, onde chego sou recebido pelas melhores pessoas, não estou dizendo que alguém que não foi não seja [tão bom quanto], mas são os que eu chamo de buscadores, os não satisfeitos com o que a mídia mostra”.
E o músico têm percorrido o Brasil levando seu trabalho a esses “buscadores”. “Ando pelo Sul da Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul. Só tem dois estados brasileiros onde ainda não fui: Roraima e Mato Grosso, mas em todos os outros tenho andado, de vez em quando passo pelo Pará, acabei de chegar de Fortaleza semana passada. E aqui na Bahia estou sempre tocando em algum lugar, de vez em quando venho até tocar em Vitória da Conquista (risos)”.
Na bagagem do artista, além das já conhecidas canções, existem também novidades. O cantor gravou recentemente um novo disco com produção do músico Mário Ulloa e participação do músico Armandinho. “Há muito tempo eu pedia a Mário para que a gente fizesse um disco junto e ele me respondeu que produziria um disco meu, só que eu iria tocar violão e cantar. Segundo ele é muito legal meu jeito de cantar e tocar, mas eu acho que dou conta mais ou menos de cantar, já no violão… Preferia que ele tocasse, mas toquei e ele faz a participação em umas duas músicas”.
Xangai integra também a programação do Forró Pé de Serra do Peri-Peri, evento gratuito que acontece na praça Barão do Rio Branco organizado pela Prefeitura. Perguntado sobre as possíveis diferenças entre um show público e privado, o artista é enfático: “eu canto em qualquer lugar. Só não dou conta de cantar debaixo d’água, mas se for em um submarino acho que posso cantar (risos). Não tenho problema nenhum, o que eu prefiro é tocar em teatro, porque é um ambiente mais adequado. Imagine um atleta, um jogador de futebol, o que ele quer? Quer um campo com a grama bacana. O teatro é isso. A praça é um campo meio cheio de buracos, a sonorização geralmente tem um volume alto e o que eu gosto de fazer é um som que Luiz Gonzaga fez, que Jackson do Pandeiro fez, Jacinto Silva… Um volume suficiente para chegar às pessoas, não para fazer tremer, música deve ser ouvida com brandura, com suavidade”.
*Texto e fotos.