Texto de Laurentino Gomes*

D. Pedro I foi grão-mestre maçom por apenas 17 dias e, quando se tornou imperador, mandou fechar e investigar as lojas maçônicas que lhe ajudaram a proclamar a Independência

É quase impossível entender o processo de Independência do Brasil sem estudar o papel da maçonaria naquele período.

Em 1822, a maçonaria brasileira estava dividida em duas grandes facções. Ambas eram favoráveis à independência, mas uma delas, liderada no Rio de Janeiro pelo advogado Joaquim Gonçalves Ledo e o cônego Januário Barbosa, defendia ideias republicanas. A outra, de José Bonifácio de Andrada e Silva, acreditava que a solução era manter D. Pedro como imperador em regime de monarquia constitucional. Esses dois grupos disputaram o poder de forma passional, envolvendo prisões, perseguições, exílios e expurgos. Havia ainda grupos mais extremados, que se batiam não só pela república, mas também pela federação e admitiam até uma eventual fragmentação territorial, caso de frei Joaquim Divino do Amor Divino Caneca, o Frei Caneca, líder e mártir da Confederação do Equador de 1824.

Por curiosidade e interesse em vigiar e controlar as diversas correntes políticas da época, D. Pedro participou ativamente das duas primeiras facções. Frequentava as lojas do grupo de Gonçalves Ledo reunidas no Grande Oriente do Brasil, mas também esteve na fundação do Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz, dissidência liderada por José Bonifácio. Em lugar de “lojas”, o Apostolado tinha “palestras”, batizadas significativamente de “Independência ou Morte”, “União e Tranquilidade” e “Firmeza e Lealdade”.

Nas lojas maçônicas foram estudadas, discutidas e aprovadas várias decisões importantes, como o manifesto que resultou no Dia do Fico (Nove de janeiro de 1822), a convocação da constituinte, os detalhes da aclamação de D. Pedro como “defensor perpétuo do Brasil” e, finalmente, como imperador, no dia 12 de outubro. “Imensa foi a contribuição da maçonaria para o movimento da Independência”, afirmou o historiador Octávio Tarquínio de Sousa. Numa época em que ainda não havia partidos políticos organizados, foi o trabalho das sociedades secretas que levou a semente da independência às regiões mais distantes e isoladas do território brasileiro. O historiador Manuel de Oliveira Lima diz que a maçonaria funcionou em 1822 como “uma escola de disciplina e de civismo e um laço de união entre esforços dispersos e dispersivos”.

No começo do século 19, a maçonaria era uma organização altamente subversiva, comparável ao que seria a internacional comunista no século 20. Nas suas reuniões, conspirava-se pela implantação das novas doutrinas políticas que estavam transformando o mundo. Cabia aos seus agentes propagar essas novidades nas “zonas quentes” do planeta. A mais quente de todas era, obviamente, a América que, depois de três séculos de colonização, começava a se libertar de suas antigas metrópoles e a testar essas novas ideias políticas implantando regimes até então praticamente desconhecidos, como a república.

As origens da maçonaria se perdem nas brumas do tempo. Na falta de documentos, as informações tem mais o aspecto de lenda do que de realidade comprovável. Entre os maçons, acredita-se que as sociedades secretas seriam herdeiras dos símbolos e códigos dos antigos construtores do Templo de Salomão, em Jerusalém, ou mesmo das pirâmides do Egito.

Os primeiros grupos maçônicos teriam surgido nos canteiros de obras da Idade Média, na construção das grandes catedrais que hoje deslumbram turistas e peregrinos. Os profissionais responsáveis por essas obras eram altamente qualificados, reunindo conhecimentos de arquitetura, engenharia, escultura, marcenaria, forja e carpintaria, entre outras qualificações, o que lhes assegurava remuneração e tratamento privilegiados. Para defender seus interesses, os mestres construtores se reuniam em guildas, associações precursoras dos atuais sindicatos que serviam também de escola, onde o conhecimento especializado era passado de uma geração para outra. Na Inglaterra, os locais das reuniões eram chamados de “lodges”, mais tarde traduzidos para o português como “lojas”.

Em 1717, ano oficial do nascimento da maçonaria, os quatro “lodges” de Londres se unificaram numa única Grande Loja. A primeira reunião se realizou em uma cervejaria chamada Goose and Gridiron, situada no pátio da catedral de Saint Paul. A esta altura, porém, os maçons não guardavam apenas segredos profissionais. Tinham uma agenda política. Empenhados em combater a tirania dos reis absolutos, lutavam contra a escravidão e por leis que assegurassem direito de defesa, liberdade de pensamento e de culto, participação no poder e ampliação das oportunidades para todos. Isso os colocava em confronto com a nobreza que até então comandava os destinos dos povos.

A maçonaria estaria por trás de virtualmente todas as grandes transformações ocorridas nos dois séculos seguintes. Na Revolução Francesa, cunhou o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Em uma de suas lojas foi composta a Marselhesa, marcha revolucionária adotada depois como hino da França. Três libertadores da América Espanhola, Simon Bolívar, Bernardo O’Higgins e José de San Martin, frequentaram a mesma loja em Londres, a “Gran Reunion Americana”, situada 27 da Grafton Street. Seu fundador, o venezuelano Francisco de Miranda, tinha sido colega de George Washington, primeiro presidente americano, em uma loja maçônica da Filadélfia, nos Estados Unidos.

No Brasil, a Independência foi proclamada por um grão-mestre maçom, D. Pedro I. E a República, por outro, o marechal Deodoro da Fonseca. Entre 12 presidentes da Primeira República, oito eram maçons. O primeiro ministério era todo maçom, incluindo Rui Barbosa, Quintino Bocaiuva e Benjamin Constant. A passagem de D. Pedro pela maçonaria é meteórica. Pelo menos oficialmente. Iniciado na loja Comércio e Artes no dia 2 de agosto de 1822 com o nome de Guatimozim – em homenagem ao último imperador asteca – foi promovido ao grau de mestre três dias mais tarde e elevado ao posto máximo da organização, o de grão-mestre, dois meses depois. Exerceu a função por apenas 17 dias. Em 21 de outubro (uma semana depois da aclamação como imperador), mandou fechar e investigar as lojas que o haviam ajudado a proclamar a Independência. Quatro dias depois, sem que as investigações sequer tivessem começado, determinou a reabertura dos trabalhos “com seu antigo vigor”.

O comportamento aparentemente errático e contraditório do imperador em relação à maçonaria é uma prova de que a instituição esteve longe de funcionar como um corpo monolítico em 1822, decidindo de forma uníssona os destinos do país nas suas reuniões secretas. Na verdade, a maçonaria usou e foi usada pelos diferentes grupos de pressão na época da Independência, de acordo com as circunstâncias do momento. Foi, portanto, um elemento importante no poderoso jogo de pressões que se estabeleceu no momento em que o Brasil dava seus primeiros passos como nação independente, mas não o único e, talvez, nem o mais decisivo.

*Jornalista e historiador, autor dos livros “1808” e “1822”. Site: laurentinogomes.com.br.

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