…me solta, gente! eu quero atravessar a fronteira.
Quero ouvir saudades cantadas, choradas, suspiradas,
Molhadas de suor na segunda classe, onde emigrantes fazem mútuas confidências.
Quero sentir o vento levantando meus cabelos
Quero encher os pulmões com o ar puro dos campos
Qero jogar o resto de tabaco do meu cachimbo nas ondas revoltas.
Quero sentir os olhos dos que procuram devassar horizontes longíquos na ilusão de
verem lenços acenando.
– Olhos tristes que lembram noites de amor e que geram poemas –

Me solta, gente! eu quero atravesar a fronteira,
Para saber se o beijo de Anor, a que mora em Changai e bebe chá na taça de porcelana,
É mais doce que o de Dolores, a que morreu na rua de Madri, agitando o lenço no ar,
como se fosse uma serpente de sangue,
E mais selvagem que o de Wanda, a que uiva de amor, como loba ferida nos gelos da
estepe.

Me solta, gente! eu quero ir com Sacha por este mundo a fora,
Quero ver ainda os olhos de Sara perdidos nos cais, como duas estrelas negras.

Quero respirar fumaça naquela taberna escura de Manilha.
Quero comprar corais daquele marujo cor-de-bronze,
Para que eles pareçam, no colo alvo da minha pecadora,
Marcas sangrentas que meus dentes fizeram.

Me solta, gente! aquela menina araucana, morena, de olhos pretos, está me dizendo
que o mundo é muito grande,
Enquanto os Andes parecem pontos de admiração gigantescos de cabeça para baixo,
Com pingos de condores quase invisíveis, no alto, parados.

Me solta, gente! eu quero atravessar a fronteira!
Me solta, gente! os trilhos dos trens de ferro estão escrevendo meu destino no dorso
infinito da terra.
Me solte, gente! a brisa do mar está chamando,
Me chamando,
Me chamando…

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